A qualidade e a relevância de suas composições são inegáveis. Mas, ironicamente, nenhuma de suas canções contribuiu tanto para sua fama do que o chilique que o fez quebrar o violão e atirar pedaços à plateia durante a apresentação de “Beto Bom de Bola” no 3º Festival da Record, em 1967. Na ocasião, Sérgio Ricardo, cujo nome de batismo é João Lutfi, reagiu com irritação a uma vaia que o impedia de cantar. “Vocês ganharam! Vocês ganharam!”, disse finalmente ao microfone, antes de quebrar o instrumento, jogá-lo à plateia e se retirar.
É verdade que “Beto Bom de Bola” não era lá essas coisas. Não tinha a cadência harmônica nem o sentido social de “Zelão” (“Todo o morro entendeu / quando Zelão chorou…”), nem a pertinência política de “Deus e o Diabo na Terra do Sol“, trilha sonora do filme de Glauber Rocha, que tanto (re)significava naquele período pós-1964 (“Se entrega, Corisco / eu não me entrego, não / não me entrego a tenente / não me entrego a capitão / eu me entrego só na morte / de parabelo na mão”). Mesmo assim, o episódio foi um ponto fora da curva na história dos festivais, menos pela vaia do que pela reação violenta do cantor e compositor. Muito tempo depois, ele registraria sua versão da história e outras memórias musicais no livro “Quem quebrou meu violão“, de 1991.
Ator de novela, pianista e compositor de bossa nova na primeira fase, Ricardo migrou para as canções engajadas e trocou o piano pelo violão ao se aproximar do Centro Popular de Cultura da UNE. Já à vontade com as temáticas de interesse social, não apenas assumiu a música do filme de Glauber como, também cineasta, rodou o filme Esse Mundo é Meu, cuja estreia, em 1º de abril de 1964, coincidiu com o golpe militar, condenando a fita ao fracasso. Na canção que dava nome ao filme, vaticinou o que aconteceria nos porões da ditadura: “Fui escravo no reino e sou / escravo no mundo em que estou / mas acorrentado ninguém pode / amar”. Outra canção de protesto digna de nota foi “Calabouço“, feita em homenagem ao estudante Edson Luís de Lima Souto, morto no restaurante do Calabouço, no Rio de Janeiro, em 1968, em cujo refrão Sérgio Ricardo repetia em contravoz a expressão “cala-boca, moço / cala-boca, moço”.