Nem só de militares viveu a ditadura
Quando se discute o golpe militar no Brasil, na imensa maioria das vezes, atribui-se o protagonismo e a responsabilidade às Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), definindo a ditadura instaurada como estritamente militar. Mas, recentemente, jornalistas e historiadores têm descrito um quadro muito mais complexo de organização do golpe, que coloca em relevo uma extensa participação de setores da sociedade civil no processo de construção e legitimação da tomada de poder pelos militares.
Entre os civis de tradição liberal, a necessidade de intervenção militar foi aos poucos sendo reforçada, por meio de um imaginário anticomunista que vinha sendo construído desde a primeira metade do século XX no país. O anticomunismo expressava o medo que se tinha das ideologias críticas ao capitalismo e do reformismo social e político. Mas, sobretudo, expressava a rejeição dos setores conservadores aos novos agentes políticos que emergiam como protagonistas da transformação social: os trabalhadores, os sindicatos, e suas demandas por participação política e social.
Durante o governo de João Goulart, foi promovida uma intensa campanha de deslegitimação do governo e de suas iniciativas no campo social. Associava-se o medo dos comunistas com a degeneração moral da sociedade, com o a ideia de o povo tomar o poder, com a quebra de hierarquias tradicionais da sociedade “cristã e ocidental”, e com o fim da propriedade privada.
Jango foi acusado de construir uma “república sindicalista”, isto é, um governo com tendências comunistas, por defender a reforma agrária, o voto para pessoas não alfabetizadas, e outros direitos para os trabalhadores. Também era acusado de planejar uma ditadura pessoal, como a de Getúlio Vargas durante os anos 1930 e 1940. O apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB) às reformas de base de Jango era visto como a evidência de que a União Soviética pretendia expandir por aqui a ideologia comunista, inimiga das liberdades individuais e da propriedade privada.
Essa mitologia fundamentou uma ação política de setores da sociedade civil que viam nos militares brasileiros e na aliança com os Estados Unidos a força necessária para combater e impedir o avanço daquilo que era julgado como “subversivo”.