“A canção é um produto frágil, breve, efêmero num certo sentido, porque circula pelo ar, chega ao ouvido e depois se apaga”, disse Daniel Viglietti em entrevista à Carta Maior, em 2012. “Não é como a palavra impressa, mas tem um poder de penetração importante, incluindo em populações distantes, populações que às vezes não sabem ler. A canção penetra, e supera essa barreira do conhecimento. Eu sempre penso que a canção é um pouco como um passarinho, que pousa no nosso ombro e nos canta ao ouvido certas verdades.”
Daniel Viglietti foi o maior representante da nova canção uruguaia. Quando lançou seu primeiro álbum, intitulado Canciones folklóricas y seis impresiones para canto y guitarra, em 1963, não apenas conseguiu fazer uma renovação estética de canções tradicionais, herdeiro de Atahualpa Yupanqui e Violeta Parra, como revelou seu talento como compositor e violonista. Acenou também para um importante congraçamento com outros países latinos, incluindo no LP duas músicas do argentino Yupanqui (“Tú que puedes, vuélvete” e “La Tucumanita”) e um poema do cubano Nicolás Guillén, musicado pelo argentino Horacio Guarany (“No sé por qué piensas tú”). Desse primeiro LP, ficou o sucesso de “Canción para mi América”. “Dale tu mano al indio/ dale que te hará bien/ y encontrarás el camino/ como ayer yo lo encontré”.
A temática social já havia merecido algum destaque no Uruguai um ano antes, em 1962, no debut fonográfico de uma dupla chamada Los Olimareños. A dupla havia gravado pelo menos três canções abertamente engajadas em seu primeiro LP, entre elas “El pobre y el rico” (“El pobre pasa la vida/ trabajando, trabajando/ pa que otro se vuelva rico/ descansando, descansando”). Esses elementos serão destacados na obra de Viglietti. Em seu segundo trabalho, de 1965, dedica uma faixa para cada classe de trabalhador: o pescador, o carreiro, o cortador de cana, o caçador de garças e assim por diante.
Em 1967, Viglietti participa do 1º Encuentro Internacional de la Canción Protesta, em Havana, com os conterrâneos Los Olimareños e Alfredo Zitarrrosa. E, em 1968, estoura com o terceiro disco, Canciones para el hombre nuevo, que inclui os hits “Duerme Negrito”, recolhido por Yupanqui, e “Al Desalambrar”, seu maior sucesso (Eu pergunto se na terra/ você nunca havia pensado/ que se as mãos são nossas/ é nosso o que nos derem”).
Já no título do LP, gravado em Cuba e prensado no Uruguai, Viglietti aborda um tema recorrente na obra de Che Guevara, o “homem novo”, com o qual o guerrilheiro costumava justificar a necessidade de se formar uma nova consciência, adequada ao século XXI, mais próxima do socialismo. “Para construir o comunismo, paralelamente à base material, há que se fazer o homem novo”, escreveu Che no artigo “O socialismo e o homem em Cuba”, de 1965.
Fazem parte do repertório do disco a canção “Cruz de Luz”, na qual homenageia o padre rebelde colombiano Camilo Torres, e “Milonga de Andar Lejos”, em que retoma o tema da exploração e conclui com um chamado para a luta: “Ajude-me, companheiro/ ajude-me, não demore/ que uma gota pode ser pouco/ mas com outra se faz um aguaceiro”.
O disco foi retirado pelo governo da programação televisiva e também das rádios em janeiro de 1969. Preso em 1972, meses antes do golpe militar de 1973, Viglietti se exilou na Argentina, após uma campanha internacional por sua liberdade ser encampada por pessoas como Jean Paul Sartre, François Miterrand e Julio Cortázar.
Em 1973, gravou o disco Tropicos, com versões em espanhol de músicas de Chico Buarque (“Acalanto”, “Construção” e “Deus lhe Pague”) e Edu Lobo (“Eu Vivo Num Tempo de Guerra” e “Upa Neguinho”). Após 11 anos na França, Viglietti retornou a Montevidéu em 1984. No exílio, fez uma série de composições com o escritor (e agora letrista) uruguaio Mario Benedetti, também exilado, registrando esse material no LP A dos voces, de 1985.