Em 11 de março de 1966, foi preso em frente ao Auditório Araújo Vianna pelos sargentos à paisana Carlos Otto Bock e Nilton Aguinadas, da 6ª Companhia de Polícia do Exército, sob ordens do capitão Darci Gomes Prange, comandante da Companhia. Foi levado primeiro ao quartel, onde foi submetido a interrogatórios e torturas. Depois, foi transferido para a sede do Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul (DOPS-RS), onde permaneceu por cerca de uma semana e continuou a ser torturado, em ação comandada pelos delegados José Morsch, Itamar Fernandes de Souza e Enir Barcelos da Silva. Ficou todo esse período em regime de incomunicabilidade. De acordo com relatos de outros presos no DOPS, Manoel era torturado todas as noites em uma cela separada, mas os demais detentos não só podiam ouvir os seus gritos como o viam voltar para a cela com sinais de queimadura e espancamentos. Numa ocasião, a advogada Élida Costa, que esteve presa no local, viu Manoel ser carregado desmaiado para outra cela. Segundo esses relatos, as sessões de tortura eram comandadas pelo delegado José Morsch. Em depoimento publicado no jornal Zero Hora, de 17 de setembro de 1966, Antônio Giudice, detido no DOPS, de 10 a 15 de março de 1966, relatou que conversou com Manoel Raimundo, vendo “os hematomas e cicatrizes das torturas que vinha sofrendo”, pois “era diariamente, torturado, colocado várias vezes no pau-de-arara, sofrendo choques elétricos, espancado e queimado por pontas de cigarros”. i Aldo Alves Oliveira, funcionário da Companhia Carris, preso no DOPS desde 10 de março, testemunhou ter conhecido Manoel, que “mostrava vários sinais de sevícias”. Na ocasião, viu quando o ex-sargento “estava sentado no corredor” de “acesso à cela”, “sem camisa”, “as marcas de queimaduras” e sinais de violência. Devido aos maustratos, ele não podia engolir alimentos sólidos, por isso Aldo e outros presos davam-lhe um pouco do leite que havia sido enviado por familiares. O próprio sargento Manoel Raimundo apontou, em uma de suas cartas à esposa, o nome de dois de seus torturadores, o primeiro tenente-intendente Luiz Alberto Nunes de Souza e o segundo-sargento Joaquim Athos Ramos Pedroso: […] Conduziram-me para o quartel da 6ª. Cia. de Polícia do Exército. Ali, debaixo de cruel massacre no qual se destacaram o 1o tenente Nunes e o 2o sargento Pedroso […] Minha vista esquerda, porém, infelizmente creio tê-la perdido parcialmente, após uma borrachada no supercílio correspondente, aplicada pelo 1o tenente Nunes, da PE. ii No dia 19 de março, o delegado Itamar Fernandes de Souza transferiu Manoel para o presídio improvisado na “Ilha do Presídio”, inicialmente batizada de Ilha das Pedras Brancas, onde o ex-sargento permaneceu até o dia 13 de agosto em regime de incomunicabilidade. Nesse último dia, através de memorando assinado pelo delegado José Morsch, Manoel foi entregue a funcionários do DOPS. Com a ajuda de carcereiros do presídio, o ex-sargento conseguiu remeter algumas cartas a sua esposa, Elizabeth. Por meio desses relatos, é possível conhecer o tratamento que recebeu desde a sua prisão até o período próximo à sua morte. As duas últimas cartas que Elisabeth recebeu do marido foram escritas em 10 de julho de 1966. Na primeira, ele dizia: Ainda estou vivo. Espero de todo o coração que você tenha recebido as cartas que remeti anteriormente. Esta é a oitava. Nunca pensei que o sentimento que me une a você chegasse aos limites de uma necessidade. (…) Todas as torturas físicas a que fui submetido na PE e no DOPS não me abateram. No entanto, como verdadeiras punhaladas, tortura-me, machuca, amarga, este impedimento ilegal de receber uma carta, da mulher, que hoje, mais do que nunca, é a única razão de minha vida. O corpo de Manoel Raimundo Soares foi descoberto por volta das 17 horas do dia 24 de agosto de 1966, boiando entre taquareiras, por dois moradores da Ilha das Flores, próxima a Porto Alegre. Ele foi sepultado no cemitério de São Miguel e Almas, em Porto Alegre. Pela grande repercussão do caso, foram abertas quatro investigações: um inquérito policial, um Inquérito Policial Militar (IPM), a cargo do III Exército, uma investigação do Ministério Público estadual, e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Segundo o depoimento do fiscal chefe da ilha-presídio do Rio Guaíba, Manoel Raimundo deixara aquela prisão a 13 de agosto, sendo entregue a agentes do DOPS no ancoradouro da Vila Assunção. A versão oficial foi a de que ele foi solto em 13 de agosto e que teria sido justiçado, vítima de seus próprios companheiros, em virtude dos depoimentos que prestou. Foi essa a conclusão do IPM. Esta versão foi contraditada pelo promotor Paulo Cláudio Tovo, que em seu relatório afirmou que “a bússola dos indícios aponta firmemente para o DOPS”. A investigação do Ministério Público estadual chegou aos nomes do major de Infantaria Luiz Carlos Menna Barreto, chefe de gabinete da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul e responsável pelo Dopinha, centro clandestino de tortura em Porto Alegre; do delegado José Morsch, diretor da Divisão de Segurança Política e Social e substituto do titular do DOPS-RS, que era o delegado Domingos Fernandes de Souza; além de outros delegados da Polícia Civil: Enir Barcelos da Silva e Itamar Fernandes de Souza, este último chefe da Seção de Investigações e Cartório do DOPS-RS. Segundo o promotor Paulo Cláudio Tovo: Quanto às torturas sofridas por Manoel Raimundo Soares, os indícios apontam firmemente para o major Luiz Carlos Menna Barreto e os delegados José Morsch, Itamar Fernandes de Souza e Enir Barcelos da Silva, todos em coautoria, quer como mandantes, quer como executores. (…) No tocante ao fato principal, ou seja, ao homicídio praticado (…), indícios de co-autoria, já examinados, apontam como suspeitos o major Luiz Carlos Menna Barreto (chefe todo-poderoso do DOPS e Dopinha) e José Morsch.iii O promotor apontou duas hipóteses para a morte do sargento: A vítima teria sido submetida a um banho ou caldo, por parte dos agentes do DOPS, processo que consiste em arrancar do paciente a confissão, mergulhando-o na água até quase a asfixia. teria havido um acidente, escapando o preso da corda que o prendia, ou o sargento, conseguindo desvencilhar-se, teria se jogado ao rio.iv A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa chegou a conclusões semelhantes: concluiu que a morte de Manoel Raimundo foi responsabilidade do major de Infantaria Luiz Carlos Menna Barreto, em coautoria com os delegados José Morsch e Itamar Fernandes de Souza. Em relação ao delegado José Morsch, o relatório da CPI constatou que existiam “suficientes subsídios de informação que permitem mostrar a personalidade delinquente desse servidor do DOPS.” Durante os trabalhos da CPI foram ouvidas testemunhas como Aldo Alves de Oliveira, Edgar da Silva e Eni de Freitas, que testemunharam ser o delegado Morsch responsável pela tortura de Manoel Raimundo. A CPI também apontou para indiciamento o secretário de Segurança Pública, Washington Bermudez, e o superintendente dos Serviços Policiais, o major Lauro Melchiades Rieth. Em março de 1973, a viúva de Manoel Raimundo, Elizabeth Challup, iniciou ação judicial requerendo a responsabilização da União e de agentes do Estado pela morte de seu marido. Na ação, foram apontados novos nomes relacionados à tortura e morte do sargento, como o capitão de Infantaria Áttila Rohrsetzer, e tabém o capitão Luiz Alberto Nunes de Souza, os sargentos Nilo Vaz de Oliveira (vulgo Jaguarão), Ênio Cardoso da Silva, Theobaldo Eugênio Berhens, Itamar de Matos Bones e Ênio Castilho Ibanez. Em 1978, o tenente reformado da Aeronáutica, Mário Ranciaro fez novas denúncias sobre o Caso das Mãos Amarradas. Mário Ranciaro fez diversas denúncias e foram ouvidas testemunhas, entre militares e civis, que presenciaram a morte de Manoel. Segundo Ranciaro, Manoel Raimundo foi espancado pelo primeiro tenente Luiz Alberto Nunes de Souza, pelo sargento Joaquim Athos Ramos Pedroso, além de outros militares daquela companhia, ficando parcialmente cego. No DOPS, foi entregue ao delegado de plantão Enir Barcelos da Silva, e foi “violentamente esbofeteado, espancado, torturado e mesmo massacrado, durante mais de uma semana”, pelo delegado Itamar Fernandes de Souza e por outros policias do DOPS. Foi levado no dia 13 de agosto de 1966 da Ilha do Presídio novamente para o DOPS, onde recebeu novamente tratamento “desumano e degradante, com violento espancamento, sevícias e torturas”, das quais participaram o major de Infantaria Luiz Carlos Menna Barreto; o capitão de Infantaria Áttila Rohrsetzer; e os delegados José Morsch e Itamar Fernandes de Souza. De acordo com Mário Ranciaro, após tortura, na tarde no dia 13 de agosto, Manoel foi mantido em uma sala do prédio da Secretaria de Segurança Pública. À noite foi colocado em um jipe do Exército e conduzido ao rio Jacuí, onde foi assassinado por militares do III Exército e por civis subordinados ao major de Infantaria Luiz Carlos Menna Barreto. O sargento Hugo Kretschiper, segundo Ranciaro, mencionou que estava cumprindo ordens de Menna Barreto para executar Manoel Raimundo. Mesmo com todas as evidências, a Justiça decidiu, à época, que não havia elementos que pudessem fundamentar a reabertura do caso visando à investigação das circunstâncias da morte do sargento. Somente em dezembro de 2000, o juiz da 5a Vara Federal de Porto Alegre proferiu sentença favorável à viúva, mas a União recorreu. Em 12 de setembro de 2005, acórdão da 3a turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4a Região negou provimento ao recurso da União e manteve a indenização concedida, confirmando a sentença de primeira instância e assegurando a tutela antecipada, o que permitiu o pagamento imediato de pensão vitalícia à viúva, retroativa a 13 de agosto de 1966, com base na remuneração integral de segundo-sargento. Na CEMDP, o caso de Manoel Raimundo (218/96) teve como relator Nilmário Miranda e foi aprovado por unanimidade em 2 de abril de 1996. A morte de Manoel Raimundo Soares é também relatada no capítulo 13, Casos Emblemáticos, deste Relatório.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Manoel Raimundo Soares morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964. Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.