Única sobrevivente da Casa da Morte, centro de tortura clandestino da ditadura, em Petrópolis (RJ), depois de 96 dias de martírio, Inês Etienne Romeu foi também a última presa política a ser libertada no Brasil. Integrante da luta armada contra a ditadura militar, foi militante e dirigente das organizações Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares (VAR-Palmares) e Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop).
No dia 5 de maio de 1971, Inês foi detida em São Paulo, sob a acusação de participar do sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, ocorrido meses antes no Rio de Janeiro. Capturada por uma equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, ela começou seu calvário em São Paulo, mas foi levada ao Rio no dia seguinte.
Para escapar das torturas, disse que tinha um encontro com um companheiro de organização no Rio de Janeiro. Ao chegar ao local tentou se suicidar, jogando-se na frente de um ônibus. Foi então levada para a Casa da Morte. Durante os 96 dias em que esteve presa, Inês foi torturada, humilhada e estuprada. Também fez três tentativas de suicídio durante o cárcere.
Só foi libertada quando fingiu concordar com dois de seus algozes para trabalhar como infiltrada para o Centro de Informações do Exército. Libertada, doente, foi jogada na casa de uma irmã, em Belo Horizonte, pesando apenas 32 quilos. Foi levada pela família a um hospital, onde sua prisão foi oficializada. Condenada à prisão perpétua, ficou presa até 1979, quando tornou público todo seu martírio.
Após sua libertação, graças à Lei da Anistia, Inês passou a se dedicar à denúncia e ao esclarecimento dos crimes ocorridos nas prisões da ditadura. Só a partir de um depoimento escrito por ela no hospital, em 1971, e entregue à Organização dos Advogados do Brasil (OAB) em 1979, quando saiu da prisão, foi possível localizar a Casa da Morte e identificar parte dos agentes que atuavam no local, entre eles um colaborador dos torturadores, o médico Amílcar Lobo.
Em 2003, aos 61 anos, Inês foi encontrada caída e ensanguentada em seu apartamento, com traumatismo crânioencefálico, depois de receber a visita de um marceneiro contratado para um serviço doméstico. Até seu último dia, precisou de ajuda médica por limitações neurológicas. O boletim policial da época registrou que Inês teria sofrido um “acidente doméstico”. Porém, o relatório da Santa Casa de Misericórdia informa que o traumatismo foi causado por “múltiplos e diversos golpes”. Ficou claro para a família e para os amigos que alguém não queria que Inês continuasse a denunciar as atrocidades que viu na Casa da Morte, em Petrópolis, como única pessoa a ter saído viva do local.
Em 2009, recebeu o Prêmio de Direitos Humanos, na categoria “Direito à Memória e à Verdade”, outorgado pelo governo brasileiro. Em 25 de março de 2014, em audiência da Comissão Nacional da Verdade sobre a Casa da Morte de Petrópolis, Inês reconheceu seis dos seus torturadores e carcereiros. Até então, só havia reconhecido por foto o médico Amílcar Lobo Moreira da Silva e Ubirajara Ribeiro de Souza.
No dia 27 de abril de 2015, Inês Etiene morreu enquanto dormia em sua casa em Niterói, com 72 anos. Deixou como legado seus testemunhos sobre o sistema de atrocidades da Casa da Morte, sem os quais muitas pessoas não teriam qualquer pista dos seus amigos e familiares desaparecidos.