O Direito na ditadura de 1964: uma engenharia jurídica autoritária

O Direito na ditadura de 1964: uma engenharia jurídica autoritária

Direito e autoritarismo

“Respeito à dignidade da pessoa humana”; “autêntica ordem democrática”; “luta contra a corrupção”; “harmonia política e social”. Quem lesse, desavisado, tão sublimes expressões não acreditaria que elas reluziam justo nas considerações iniciais do Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 1968, marco da fase mais assassina e liberticida da ditadura então em curso no Brasil.

A contradição é apenas aparente. Dos colonialismos aos fascismos, dos escravismos aos despotismos de esquerda, diversos autoritarismos ao longo da história recorreram ao Direito — nomeadamente, o sistema de normas jurídicas vigentes em um país. O exemplo do regime de 1964 é emblemático. Como demonstrou o cientista político britânico Anthony Pereira, a ditadura brasileira foi um dos regimes militares latino-americanos que mais se valeu do Judiciário para operar a repressão política. Foi, ainda, pródiga na produção legislativa.

Por que tamanho empenho por parte de um regime que, para calar e eliminar opositores, violou direitos humanos e agiu de modo flagrantemente ilegal? O aparato jurídico como um todo — e constitucional, em particular — pode ser instrumentalizado de várias formas por governos antidemocráticos. Uma delas é de natureza discursiva. Com legislações que formalmente o caracterizam como uma democracia constitucional, um regime autocrático pode se retratar falsamente como um Estado de Direito. Essa astúcia retórica contribui para a tentativa de angariar a anuência de setores sociais internos e se legitimar junto à comunidade internacional. Também serve para rotular opositores como subversivos, dando pretexto para o recrudescimento da autocracia.

Esse uso dissimulado do arcabouço jurídico por parte de ditaduras é frequentemente descrito pela Ciência Política como um rule by law, e não um rule of law. Ou seja, não haveria um primado do Direito, mas sua perversão pelo grupo autoritário no poder. Abundam as metáforas dessa concepção: a estrutura legal — de jure — seria uma “fachada”, um “verniz”, um “disfarce” para o autoritarismo de facto existente. Esse diagnóstico é pertinente, mas incompleto.

Transcendendo o âmbito simbólico, a arquitetura jurídica da ditadura militar brasileira se mostrou efetiva. De um lado, vertebrou e viabilizou o sistema repressivo. De outro, organizou o quadro político-institucional do regime.Em adição, procurou atender às demandas de certos grupos sociais, especialmente as elites econômicas e empresariais que apoiaram o golpe — por exemplo, com isenções tributárias para os mais ricos e a flexibilização das relações de emprego com o fim da estabilidade celetista. Essa estratégia contribuiu para a longeva sustentação de 21 anos da ditadura.

Sobre
Saiba mais sobre o projeto, realizadores e seus objetivos.
Apoio ao Educador
Aplique o conteúdo sobre a ditadura no Brasil na sala de aula para ampliar o estudo da História do Brasil e a formação da cidadania com o suporte de sequências didáticas e a promoção do protagonismo dos alunos. Consulte sequências didáticas que poderão auxiliar os educadores a trabalharem o tema da ditadura militar brasileira em sala de aula.
Acervo
Explore uma diversidade de conteúdos relacionados ao período da ditadura militar brasileira que ocorreu entre 1964 e 1985.
Cultura e Sociedade
Apesar do conservadorismo e da violência do regime, a produção cultural brasileira durante a ditadura militar se notabilizou pelo engajamento político e desejo de mudança. Conheça um pouco mais sobre as influências do período em diversos setores da sociedade.
Repressão e Resistência

O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.