Se de fato se pode falar em “hegemonia cultural da esquerda” durante o regime militar, algumas nuances devem ser levadas em conta. Em primeiro lugar, a influência da cultura de esquerda se concentrava nos grupos mais ligados à produção ideológica, como estudantes, artistas, jornalistas.
Intelectuais que não se declaravam contra o regime e fenômenos musicais que procuravam apenas a diversão, como a Jovem Guarda, gozavam de grande sucesso junto ao público. Apesar disso, em algumas áreas, como na música popular e na teledramaturgia, artistas de esquerda tinham grande influência junto ao público consumidor de discos e novelas de TV.
No final dos anos 1960, havia um embate acirrado entre quem se propunha a fazer arte política e aqueles que pretendiam apenas divertir as massas. Um dos pontos polêmicos era a discussão sobre a cultura nacional, herdeira do modernismo dos anos 1920, tanto na proposta de valorização do patrimônio popular por parte de Mário de Andrade, quanto na visão antropofágica de Oswald de Andrade.
Sob a ditadura, havia de um lado artistas marxistas, às vezes ligados ao Partido Comunista, produzindo uma arte alinhada com o nacional-popular e, de outro, a Tropicália, que a partir de 1968 propunha a mistura de elementos nacionais com importações, a partir da obra do artista plástico Hélio Oiticica.
Na música, o tropicalismo de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e outros foi criticado de início pela incorporação de elementos estrangeiros, como a guitarra elétrica. Esse instrumento era considerado um símbolo do rock e, consequentemente, do imperialismo norte-americano. O tropicalismo podia ser encarado como alienação, ainda que algumas de suas batalhas estivessem em total sintonia com bandeiras mundiais da contracultura, como o combate à moralidade burguesa. Além disso, o projeto tropicalista punha em xeque a figura do intelectual de esquerda, no cerne de sua atitude burguesa e elitista.
É inegável que, ao impor a proibição de discos, músicas, shows e filmes, determinar a interdição de teatros e a prisão e o exílio de artistas, o regime militar restringiu a liberdade criativa e impactou negativamente a produção cultural do período. No entanto, a censura e a repressão acabaram por dar uma importância renovada à vida cultural, um dos raros espaços em que era possível criticar a ditadura, ainda que de maneira alegórica, cifrada. A cultura brasileira produzida por artistas de esquerda não fez a revolução, mas influenciou na formação dos jovens, promovendo ideais de democracia, igualdade social e liberdade.