Cédula Quem Matou Herzog - Autor Cildo Meireles. Fonte Acervo Instituto Vladimir Herzog.
A imagem mostra a obra "Quem matou Herzog?", uma das mais famosas intervenções do artista conceitual Cildo Meireles. Utilizando seu "Projeto Cédulas", ele carimbou a pergunta em notas de um cruzeiro logo após o assassinato do jornalista Vladimir Herzog pelos órgãos de repressão da ditadura, em 1975. O dinheiro, ao voltar a circular, transformava-se em um poderoso e incontrolável veículo de protesto, espalhando por todo o país a denúncia de um crime que o regime tentava acobertar.

Artes Plásticas

Artes Plásticas sob o contexto autoritário e de vigilância

A ditadura militar no Brasil, como em outros regimes na América Latina, mostrou-se rígida, com repressão e violência. O AI-5, em 1968, endureceu a censura e suspendeu direitos fundamentais. Embora as artes plásticas não estivessem sob o mesmo jugo da censura prévia regulamentada para teatro e cinema, elas seguiam a mesma lógica no contexto de repressão autoritária. A esfera da cultura era vista com suspeição, e a vigilância era constante, não apenas por militares, mas também por apoiadores, membros dos aparelhos de controle e delatores.

Havia a crença, por parte dos militares e de seus apoiadores, de que a arte deveria permanecer distante das influências políticas. Artistas plásticos frequentemente foram vistos como subversivos ou associados às ideologias de esquerda, à crítica social e à contestação da moral e dos “bons costumes”. Já as críticas ao regime eram vistas como ameaças à segurança nacional.

A produção brasileira de artes plásticas nesse período passou a expressar o inconformismo com o autoritarismo e com as transformações artísticas globais da época. Os anos 1950 e o início da década seguinte foram marcados pela relação com o desenvolvimento nacional, exemplificado pelo concretismo e pela construção de Brasília. Após 1964, passou a vigorar o clamor por rupturas, de ordem estética e política, por meio da crítica ao regime político e aos padrões estabelecidos na arte, propondo novas linguagens e relações entre artista, obra e público.

A crítica política ganhava força, associada às vanguardas artísticas internacionais, como o pop, o happening, a videoarte, o minimalismo e o conceitualismo. Além disso, alguns eventos e movimentos foram marcantes nesse período para indicar os novos rumos da arte no Brasil, como o Opinião 65 (MAM-RJ/1965), a “Nova Figuração”, que representava a realidade de forma mais direta e crítica, a “Nova Objetividade Brasileira” (MAM-RJ/1967), que reuniu diferentes vertentes da arte experimental, e “Do Corpo à Terra” (Parque Municipal de BH/1970), que colaborou para consolidar a perspectiva de tirar a arte dos museus e galerias e levá-la para o espaço público. A Bienal de São Paulo, criada em 1951 e considerada um palco importante para a arte, durante a ditadura militar também se tornou um espaço de tensão e contestação, como ocorreu na “Bienal do Boicote” (1969).

Nesse cenário brasileiro e latino-americano, marcado por regimes autoritários, as artes plásticas revelaram comprometimento político-social e também experimentação artística. Artistas plásticos da época passaram a circular por diferentes espaços, muitas vezes migrando para fora do circuito tradicional de galerias e museus. Além disso, buscaram criticar e protestar contra o autoritarismo, frequentemente de forma metafórica, utilizando vídeos, performances, instalações e, ainda, espaços como ruas e parques, suportes como cédulas de dinheiro, objetos cotidianos e os seus próprios corpos. Artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Antonio Dias, Carlos Vergara, Ivan Serpa, Rubens Gerchman, Lygia Pape, Nelson Leirner, Anna Maria Maiolino, Antonio Manuel, Artur Barrio e Cildo Meireles são considerados nomes importantes da arte no período.Assim sendo, as artes visuais foram atravessadas por mecanismos de censura e repressão, mas também por uma intensa capacidade criativa, que soube converter as dificuldades, as restrições e a violência em combustível para transgredir, denunciar e resistir.

Obras

Movimentos Artísticos

Do Corpo à Terra

Arte efêmera, urbana e provocadora – Em 1970, artistas de todo o país participaram dos eventos simultâneos e integrados que formaram o movimento “Do Corpo à Terra” em Belo Horizonte (MG): a mostra “Objeto e Participação”, no Palácio das Artes, e a manifestação “Do Corpo à Terra”, no Parque Municipal. As mostras romperam com os padrões expositivos ao convidar os artistas a criarem suas obras no local, muitas delas ao ar livre e com caráter efêmero, já que os trabalhos feitos no parque permaneceram lá até sua destruição.

O acontecimento foi definido pelo curador Frederico Morais como uma forma de arte-guerrilha: “O artista hoje é uma espécie de guerrilheiro. A arte é uma forma de emboscada. Atuando imprevisivelmente, onde e quando é menos esperado, o artista cria um estado permanente de tensão constante”, portanto o artista age aqui como provocador no espaço público. As obras questionavam a violência do regime, os limites da arte e de sua exposição, bem como o papel do espectador. Esse movimento foi decisivo para afirmar a arte brasileira como transgressão e resistência simbólica.

Nova Objetividade Brasileira

Arte participativa e sensorial – Em 1967, o MAM-RJ sediou a exposição “Nova Objetividade Brasileira”, organizada por um grupo de críticos e artistas, como uma resposta ao conservadorismo e à alienação da arte institucional. A sua concepção começou a ser definida por Hélio Oiticica (1937-1980) no evento Propostas 66, em São Paulo. O artista defendia o termo “nova objetividade” como o que mais fielmente traduzia as experiências das vanguardas brasileiras em geral.

A mostra reuniu diferentes vertentes da vanguarda nacional, como a arte concreta, o neoconcretismo, a nova figuração em torno da ideia de “nova objetividade”, propondo uma arte engajada, participativa e sensorial. A proposta central era romper com o suporte tradicional (quadro, escultura), colocando o corpo, o espectador e a ação direta no centro da experiência artística. Tratava-se, portanto, de uma concepção artística que buscava transformar, provocar e interagir, desafiando os limites entre arte e vida.

Nova Figuração

O retorno da crítica social por meio da imagem – A Nova Figuração surgiu como resposta à abstração geométrica dominante até os anos 1960. Seus artistas propunham o retorno à figuração, utilizando imagens impactantes e narrativas visuais críticas à realidade social e política. Inspirada pela figuration narrative europeia e pela pop art, a Nova Figuração brasileira abordava temas como desigualdade, violência, opressão e cotidiano urbano, com uma linguagem muitas vezes caricata ou fantástica.

A exposição “Mitologias Cotidianas” (1964) foi um marco do movimento no Brasil, com obras que utilizavam a figuração para narrar histórias ou criticar a realidade contemporânea.

O impacto das novas linguagens figurativas na arte nacional foi bastante significativo., Artistas como Antonio Dias (1944), Carlos Vergara (1941), Rubens Gerchman (1942-2008), Roberto Magalhães (1940), Ivan Freitas (1932) e Adriano de Aquino (1946), estiveram entre seus expoentes.

Opinião 65

A exposição que marcou uma geração – A mostra “Opinião 65”, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), foi um marco na arte brasileira. Reuniu 29 artistas, entre brasileiros e estrangeiros, e apresentou uma síntese das tendências de vanguarda do momento na arte brasileira: nova figuração, concretismo, neoconcretismo e arte objeto.

O evento deu visibilidade à produção brasileira comprometida com questões políticas e sociais, e foi decisivo para consolidar o papel da arte como ferramenta de crítica e transformação. Um diferencial da “Opinião 65” foi colocar lado a lado representantes de variadas vertentes e tendências. Participaram artistas como Antonio Dias, Antonio Berni, Rubens Gerchman, Carlos Vergara, Adriano de Aquino e Ivan Freitas.

Happening

Arte como experiência e acontecimento – Os happenings, originados nos Estados Unidos com Allan Kaprow nos anos 1950, chegaram ao Brasil como ações híbridas entre artes visuais, teatro e performance. Caracterizavam-se pela improvisação, pela ausência de roteiro e pela forte presença do público. No Brasil, o precursor foi Flávio de Carvalho, com sua caminhada de saia pelo centro de São Paulo, nos anos 1950. Mais tarde, o Grupo Rex também realizou happenings provocadores, como o “Grande Espetáculo das Artes”, que questionava a censura e os limites da exposição. O happening tem como eixo uma atitude de rechaço à crítica e às galerias de arte. Além disso, essas manifestações reforçavam a arte como experiência e intervenção no cotidiano, em oposição à contemplação passiva.

Pop

Estética e denúncia política – A pop art, movimento originado na Inglaterra e nos Estados Unidos, foi reinterpretada no Brasil com forte carga política. Ao contrário da exaltação da sociedade de consumo vista no exterior, os artistas brasileiros usaram a linguagem da pop art para denunciar torturas, censura e repressão.

Recursos como colagens, imagens do cotidiano, cartazes e tridimensionalidade eram utilizados com objetivos críticos. Destacam-se artistas como Wesley Duke Lee, Cláudio Tozzi e Rubens Gerchman, cujas obras retratavam a tensão entre arte, mídia e violência política.

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