Vale lembrar que a luta dos negros brasileiros contra a discriminação racial, por direitos políticos e por justiça social não se iniciou durante o regime militar. Trata-se de uma luta que remonta aos tempos da escravidão e que conheceu múltiplas formas de ação e consciência. Fugas individuais e coletivas, organização de quilombos, revoltas, irmandades religiosas, ex-escravizados que se tornaram defensores jurídicos de escravizados e libertos ou militantes da causa abolicionista.
Quando veio a República, no final do século XIX, surgiram novas e sutis formas de construção de um apartheid racial pelas elites políticas e econômicas, que à época sonhavam em “branquear” a população brasileira. Por exemplo, a proibição do voto de pessoas não alfabetizadas e a promulgação de leis contra a “vadiagem” foram particularmente determinantes para confirmar a exclusão dos negros, muitos deles ex-escravizados ou filhos de escravizados que nunca haviam tido condições de frequentar a escola ou de conseguir empregos dignos depois da abolição. De acordo com as “leis de vadiagem”, quem não tinha trabalho ou moradia fixa poderia ser preso. Em grande parte, essa lei tentava manter os ex-escravizados nas fazendas sob o domínio de seus ex-senhores.
Ao longo dos anos 1930, com os novos arranjos políticos da Era Vargas, a mestiçagem passou a ser valorizada como signo de brasilidade, ao mesmo tempo em que surgiram muitas organizações políticas e culturais de luta contra a discriminação racial, como a Frente Negra e o Teatro Experimental do Negro, fundado por Abdias do Nascimento, grande militante brasileiro nessa área.
Após 1945, inaugurou-se um dos períodos mais ricos da vida política brasileira, e a luta dos negros brasileiros contra a discriminação se mesclou à luta por justiça social e ampliação da democracia. Um exemplo disso é a promulgação da Lei Afonso Arinos, em 1951, que proibia qualquer ato de discriminação racial no Brasil.
Entretanto, como o racismo brasileiro sempre evitou se transformar em segregação legal, como nos Estados Unidos ou na África do Sul, a discriminação por aqui sempre foi mais difícil de ser captada e criminalizada. O golpe militar estancou esse processo, mudando os rumos da vida política e social do Brasil.
Paradoxalmente, entretanto, a “consciência negra”, como se dizia, se adensou nos anos 1960 e 1970, influenciada, inclusive, pela luta dos povos africanos contra as suas metrópoles, pela luta contra o apartheid racial na África do Sul e pela luta dos negros estadunidenses por direitos civis. “Black is beatiful” era o lema internacional da época, algo como “Negro é lindo”, em português. No final dos anos 1960, a partir das novas posturas do movimento negro dos Estados Unidos, o black power (“poder negro”) se manifestava nos cabelos, nas roupas, nos gestos, manifestando o orgulho pela cor de pele diferente da sociedade WASP (White, Anglo-Saxon, and Protestant – branca, anglo-saxã e protestante), que formava a elite norte-americana.