Golpes e tentativas de golpe na República

Golpes e tentativas de golpe na República

1889 e o estabelecimento da República excludente

A República brasileira nasceu de um golpe de Estado, em 1889, e ao longo de sua trajetória foi atravessada por diversas outras rupturas institucionais — algumas concretizadas, outras apenas tentadas. Esses episódios revelam a instabilidade do regime republicano no Brasil e a persistência de práticas autoritárias que dificultaram a consolidação de uma democracia plena.

O golpe inaugural foi articulado por setores militares e pela elite cafeeira, muitos deles republicanos de última hora, descontentes com a abolição da escravidão no ano anterior. O regime nasceu de um projeto político excludente, concebido como meio de conter os avanços democráticos conquistados pela mobilização social das massas urbanas durante a campanha abolicionista.

Nessa perspectiva, o estabelecimento da República representou, sobretudo, uma tentativa de restaurar uma ordem conservadora, em indenização à Abolição. Muito interessava aos cafeicultores uma definição individualista do pacto social, que se distanciava da ampla participação popular. Desse modo, o liberalismo adotado no Brasil adquiriu um caráter de legitimação da desigualdade e de consagração da lei do mais forte, criando instrumentos ideológicos e políticos para a manutenção do poder nas mãos das elites, que estabeleceram um regime profundamente autoritário.A Constituição de 1891 escancarava a natureza excludente do regime republicano recém-inaugurado ao restringir o direito de voto aos cidadãos brasileiros do sexo masculino com mais de 21 anos. A exclusão das mulheres e dos analfabetos, somada ao voto facultativo, contribuiu para elevadas taxas de abstenção eleitoral e para a manutenção de uma participação popular extremamente limitada.

Proclamação da República, de Benedito Calixto (1893). A obra retrata simbolicamente a deposição do imperador Dom Pedro II e o início do regime republicano no Brasil. Apesar de frequentemente romantizada, a Proclamação da República foi resultado de um golpe militar liderado por setores do Exército e das elites insatisfeitas com a monarquia, sem participação popular direta. O episódio marca uma ruptura institucional decisiva na história política do país.Tentativas de golpes da Primeira República e o “poder moderador”.
Proclamação da República, de Benedito Calixto (1893). A obra retrata simbolicamente a deposição do imperador Dom Pedro II e o início do regime republicano no Brasil. Apesar de frequentemente romantizada, a Proclamação da República foi resultado de um golpe militar liderado por setores do Exército e das elites insatisfeitas com a monarquia, sem participação popular direta. O episódio marca uma ruptura institucional decisiva na história política do país.Tentativas de golpes da Primeira República e o “poder moderador”.

A fase inicial da República brasileira foi marcada por instabilidade política e disputas de poder. Logo em seu início, ocorreu uma tentativa de golpe protagonizada pelo primeiro presidente, marechal Deodoro da Fonseca, que, em novembro de 1891, ordenou o fechamento do Congresso Nacional com o objetivo de ampliar seus poderes. O plano fracassou, e o marechal foi substituído por seu vice, Floriano Peixoto, que, de acordo com a recém-promulgada Constituição, deveria ter convocado novas eleições — o que não ocorreu, gerando revoltas e sucessivas repressões.

Após união inicial entre civis e militares para instituir o regime republicano, esses grupos passaram a disputar entre si a hegemonia política. Os primeiros anos do século XX e a Primeira Guerra Mundial estimularam a ascensão do militarismo em diversos países, o que também se refletiu no Brasil, alimentando o antagonismo entre militares e civis. Essa conjuntura foi reforçada pela concepção, difundida na época, das Forças Armadas como um “poder moderador” — uma espécie de instância suprema de salvaguarda nacional, que deveria garantir a continuidade e os fundamentos republicanos. Era como se a República duvidasse de sua própria capacidade de autogoverno civil, delegando aos militares a missão de tutelar a ordem institucional.

Nesse sentido, militares se entendiam responsáveis por “republicanizar a república” quando ela se desviasse de seus princípios fundadores. Essa perspectiva foi mobilizada nas tentativas de golpe militar contra o governo de Rodrigues Alves, durante a Revolta da Vacina em 1904, e nas Revoltas de 1922 e 1924, que tentaram depor o governo de Arthur Bernardes.

Golpe de Estado

Partindo de um amplo debate teórico, golpe de Estado é uma violação das regras constitucionais por agentes institucionais, que impõem uma solução de força, e não de direito, às crises políticas e sociais. São respostas autoritárias para situações entendidas como desordens institucionais, que maximizam demandas de um determinado grupo social ou partido em detrimento de outros, promovidas, na maioria dos casos, por militares, titulares de um dos setores-chave da burocracia estatal. A consequência mais habitual é a simples mudança da liderança política. Em contextos complexos e plurais como o brasileiro, tais rupturas tendem a buscar legitimidade por meio de discursos moralizantes, enquanto aprofundam o controle burocrático e policial do Estado.

Referências bibliográficas

BARBÉ, C. Golpe de Estado. In: BOBBIO, N. et al. (Org.) Dicionário de Política. 12ª ed. Brasília: Editora UnB, 1999. v.1, p.545-547.
NAPOLITANO, Marcos. “Golpe de Estado: entre o nome e a coisa”. Estudos Avançados, vol. 33, nº 96, 2019. Disponível em: https://revistas.usp.br/eav/article/view/161302/155270 Acesso em: 20 jun. 2025.

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