Cara a cara - 2 - jul. a dez. 78

Atuação Profissional

estudante

Organização

Ação Libertadora Nacional (ALN)

Filiação

Alice Pereira Fortes e José Ovídio Fortes

Data e Local de Nascimento

24/1/1948, em Ouro Preto (MG)

Data e Local de Morte

28 a 31/1/1972, em São Paulo (SP)

Hélcio Pereira Fortes

Hélcio Pereira Fortes

Preso em 22 de janeiro de 1972 por agentes do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) no Rio de Janeiro (RJ), Hélcio Pereira Fortes foi transferido para o DOI-CODI do II Exército, em São Paulo (SP), onde foi morto sob torturas.

 

Sua perseguição é comprovada por uma ficha do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), que o identifica pelos codinomes “Nelson” e “Ernesto”, e faz a descrição de suas atividades. A versão oficial de sua morte, divulgada pela imprensa e presente na requisição de exame necroscópico ao Instituto Médico-Legal de São Paulo, afirmou que, “após travar violento tiroteio com os agentes dos órgãos de segurança, foi ferido e, em consequência, veio a falecer”.

O jornal Estado de Minas, de 1º de fevereiro de 1972, divulgou essa versão:

“Hélcio Pereira Fortes morreu sexta-feira em São Paulo, na avenida dos Bandeirantes ao tentar fugir, aproveitando-se de tiroteio entre agentes de segurança e outro terrorista com o qual Hélcio tinha um encontro marcado. No sábado anterior, dia 23 de janeiro, Hélcio Pereira Fortes […] conseguiu escapar à perseguição policial na Guanabara, quando tentou manter contato com uma terrorista na Tijuca. Fugindo para São Paulo, foi preso dia 26, na Estação Rodoviária por agentes de segurança da Guanabara e de S. Paulo, que acompanhavam seus passos desde o Rio.”

Em depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade em 12 de dezembro de 2013, Darci Toshiko Miyaki, colega de militância de Hélcio na ALN e sequestrada em 28 de janeiro no Rio de Janeiro, afirmou que ela e Hélcio foram levados juntos do Rio de Janeiro para São Paulo. “Logo que chegamos ao DOI-CODI de São Paulo, Hélcio e eu fomos levados para a sala de tortura. Cada um em uma sala. Nos intervalos da minha tortura, eu ouvia os gritos do Hélcio, por mais de dois dias […]. Eu ouvi o Hélcio sendo torturado […] Eu afirmo categoricamente: ele não morreu no dia 28 de janeiro. Provavelmente, ele morreu entre o dia 30 ou 31 de janeiro.”

Darci Miyaki chegou a ver e identificar Hélcio Pereira Fortes já na prisão. Ela afirmou que sempre foi torturada sozinha, mas quando havia algum intervalo em que “não estava levando choque ou qualquer coisa, ouvia gritos. E eram os gritos do Hélcio”. Enquanto estava no Rio de Janeiro, Darci foi obrigada a vestir um capuz cuja costura esgarçada ficou em sua frente, o que lhe permitiu ver Hélcio por um instante. Ela descreve que “ele estava encostado na parede. Eu o reconheci pela estrutura física dele e o terninho. […] Aí eles jogaram nós dois em uma viatura. O Hélcio foi jogado. Ele estava muito torturado. Eu via que ele não se aguentava”.

Quanto à versão oficial apresentada pela imprensa, Darci afirma que a notícia é a de que o tiroteio teria ocorrido em São Paulo, e que essa notícia foi dada enquanto estavam em trânsito da Guanabara para São Paulo. A família de Hélcio foi a São Paulo buscar seu corpo, quando foi declarado aos familiares que ele já tinha sido enterrado. Darci afirma que, enquanto isso, ele ainda estava vivo. “Estava ali! Quer dizer, a 20 metros de onde estava o irmão dele, o Hélcio estava sendo torturado!”. Ela conta ainda que, alguns dias depois, quando foi levada para a solitária, o carcereiro, Altair Casadei, lhe disse: “Daqui saiu um presunto fresquinho!”.

Ainda de acordo com Darci Miyaki, naquela época, somente ela e Hélcio estavam sendo torturados no local e, após esse dia, não ouviu mais os gritos de Hélcio. Ela indica que Hélcio “deve ter morrido dia 30 ou 31 de janeiro de 1972”. Documento elaborado pelo Comitê de Solidariedade aos Presos Políticos do Brasil em fevereiro de 1973, intitulado “Aos Bispos do Brasil”, indica outros depoimentos convergentes sobre o caso: Preso, não se sabe se no Rio ou em São Paulo, entre 22 e 26 de janeiro de 1972. Hélcio esteve enclausurado no DOI/SP sendo que inúmeros presos políticos atestam a sua presença naquele destacamento.

Submetido a dolorosas torturas pelas equipes policiais, Hélcio veio a sucumbir no dia 28 de janeiro. No dia 1º de fevereiro, os órgãos de repressão, através dos jornais, publicaram uma nota oficial onde informavam que Hélcio havia sido morto em tiroteio numa tentativa de fuga. Era por demais óbvio que ele não podia sequer caminhar, em decorrência das torturas. Seu corpo foi visto ao ser retirado do DOI.

Documento localizado no antigo DOPS/PR, Encaminhamento 087/72-CO/DR/PR, originado no Centro de Informações do Exército (CIE), descreve “depoimento de Hélcio Pereira Fortes, vulgo ‘Nelson’, ‘Fradinho’ e ‘Toninho’, morto em São Paulo ao tentar fugir da prisão.” Conforme noticiado pela Folha de S. Paulo em 4 de janeiro de 1972, Hélcio teria sido reconhecido pelos órgãos de segurança, identificado como “Alex”, “Ernesto” e “Nelson”.

De acordo com o laudo de exame de corpo de delito, de 11 de fevereiro de 1972, os médicos-legistas Isaac Abramovitc e Lenilso Tabosa Pessoa registraram como causa da morte de Hélcio “anemia aguda traumática”. No documento, os médicos-legistas descrevem: “segundo consta, trata-se de elemento terrorista que travou tiroteio com agente dos órgãos da Segurança e faleceu às dez horas de hoje (11/02/1972).” Documentos do DOPS deram conta do enterro do corpo no cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo.

Alguns anos depois, em 1975, seus restos mortais foram trasladados para sua cidade natal, Ouro Preto (MG), onde foram enterrados na Igreja São José. A pedido da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, foi produzida uma análise de laudo pelo legista Antenor Chicarino, que observou que o laudo da época não descreveu as características das lesões de cada projétil, somente definindo as lesões como entrada e saída, sem descrição da distância dos disparos. O laudo oficial descreveu apenas as trajetórias dos projéteis no exame externo, o que não foi feito em exame interno.

Arnaldo Chicarino indicou, ainda, que as lesões mencionadas não teriam sido imediatamente mortais. Mesmo estando localizados em tecidos de fácil acesso, os projéteis não foram removidos e considerados para inquérito. A análise do médico legista Dolmevil de França Guimarães Filho, que contribuiu na instrução de processos éticos perante o CREMESP (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), indicou a possibilidade do primeiro projétil ter tido uma trajetória da esquerda para direita, de cima para baixo e de frente para trás, disparado a média ou curta distância, o que, de fato, é característica típica de execução. São evidentes, portanto, as contradições entre os elementos colhidos e a versão oficial de morte de Hélcio Pereira Fortes, encampada pelos relatórios dos ministérios militares, enviados ao ministro da Justiça em 1993.

Nesse sentido, o relatório do Ministério da Aeronáutica registrou: “faleceu no dia 28 de janeiro de 1972 ao dar entrada no hospital das Clínicas em São Paulo, após travar tiroteio com agentes de segurança que o perseguiam”; e o relatório da Marinha: “morto no dia 28 de janeiro de 1972 em tiroteio com agentes de segurança ao tentar fugir em um fusca após estabelecer contato com um companheiro”. Uma das versões se baseia em um tiroteio na avenida Bandeirantes, onde Hélcio, que não estaria preso, teria um encontro com outro militante. Já o outro relatório versa sobre uma suposta fuga da prisão, quando Hélcio teria sido baleado.

 

Diante das contradições evidenciadas pelos documentos e depoimentos, constata-se a farsa em relação à versão oficial de morte de Hélcio Pereira Fortes, que foi morto sob torturas ou executado após ser interrogado.

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