Atuação Profissional
EstudanteOrganização
Ação Libertadora Nacional (ALN)Filiação
Zilda Xavier Pereira e João Baptista Xavier PereiraData e Local de Nascimento
2/8/1948, Rio de Janeiro (RJ)Data e Local de Morte
14/6/1972, São Paulo (SP)A versão dos órgãos de segurança sobre a morte de Iuri Xavier Pereira e outros dois militantes da ALN, Ana Maria e Marcos Nonato da Fonseca, foi divulgada nos jornais O Globo, Jornal do Brasil e Estado de S. Paulo nas edições de 15 de junho de 1972.
De acordo com a nota, “por volta das 14h, os agentes de segurança aproximaram-se dos terroristas, dando-lhes voz de prisão, tendo os citados terroristas reagido a bala de armas automáticas e metralhadoras”. Como consequência desse enfrentamento, teriam morrido “no local, os terroristas Iuri Xavier Pereira, Ana Maria Nacinovic Corrêa e Marcos Nonato da Fonseca”.
Ainda segundo essa versão, o cerco policial teria sido montado depois de uma denúncia com o objetivo de capturar indivíduos procurados pelas forças de repressão. O confronto armado teria ocorrido no restaurante Varella, no bairro da Mooca, em São Paulo (SP), onde os agentes de segurança localizaram quatro militantes da ALN – três dos quais morreram, enquanto o quarto, Antônio Carlos Bicalho Lana, conseguiu escapar.
Segundo documento do CIE, a Informação nº 0571/S- 102-A11-CIE, datada de 12 de junho de 1972, “Após assalto à firma D. F. Vasconcelos, os órgãos de segurança desenvolveram intensas buscas na área da Grande São Paulo, e, em consequência, na manhã do dia 14 Jun 72, foram localizados 4 dos 5 terroristas que participaram do assalto a D. F. Vasconcelos, sendo reconhecidos os 4 antes nominados. Foi feito um cerco ao local, devido à alta periculosidade dos terroristas, os agentes de segurança passaram a vigiar e controlar os seus passos, aguardando um momento propício para efetuar as prisões. […] por volta das 14 horas, os agentes da segurança aproximaram-se dos terroristas, dando-lhes voz de prisão, tendo os citados terroristas prontamente reagido à bala de armas automáticas e metralhadora. No intenso tiroteio que estabeleceu, os terroristas conseguiram ferir: – dois agentes da Segurança; – a menina Irene Dias, de 3 anos de idade…; Rodolfo Aschrman… que passava pelo local”.
Uma apostila da Escola Nacional de Informações (EsNI), de 1974, intitulada Contra subversão, inclui, na página 233 um croqui com detalhes da operação: “em duplas, os agentes posicionaram-se dentro do restaurante, na carpintaria, no terreno ao lado do local e no telhado de um posto de gasolina, apoiados por um carro estacionado em uma das esquinas”. Evidências, no entanto, contestam a versão da morte em tiroteio e indicam que os militantes foram vítimas de execução e, provavelmente, de tortura, nas dependências do DOI-CODI do II Exército (SP).
Apesar de tratar-se de confronto armado em local público, não foi realizada perícia de local que permitisse comprovar o suposto tiroteio, e os corpos dos militantes mortos não foram levados para o necrotério. Também não foram localizados documentos que indiquem a relação das armas utilizadas ou mostrem fotos do local, como também não foram encontrados exames de corpo de delito dos policiais ou dos transeuntes feridos, mencionados na nota divulgada.
Em depoimento prestado à Comissão da Verdade do estado de São Paulo Rubens Paiva, em 24 de fevereiro de 2014, Francisco de Andrade, preso entre novembro de 1971 a novembro de 1972 na OBAN, declarou: “Bom, numa dessas voltas, porque, possivelmente, deve ser do meio da tarde pra frente, porque esses depoimentos eram sempre à tarde, né? Nunca aconteciam de manhã esses depoimentos oficiais no DOPS. Na volta de um desses depoimentos, quando o carro da OBAN parou no pátio de estacionamento […] Parava num pátio, você vinha andando e entrava […] Que é aqui nessa antiga delegacia aqui da Rua Tutoia. Tinha um pátio lá fora e você andava uma coisa meio aberta e entrava num portão de ferro que dava acesso à delegacia. Antes desse portão de ferro, na hora que a gente estava voltando, eu vi três corpos no chão, que era o Iuri, a Ana Maria e o Marcos. Mortos. Vestidos. Você sempre tem insistido nessa coisa que eles quando legalizam estão todos… Estavam lá. Também uma coisa como se tivesse acontecido naquele momento. Mas nesse dia, ali no pátio da OBAN estavam os três ali e eles estavam mortos. Isso eu tenho certeza, eu vi bem, eu conhecia muito bem”.
Seu testemunho é corroborado pelas fichas de identificação de Ana Maria e Iuri Xavier, feitas no DOI-CODI do II Exército, que registram como data de entrada nesse órgão o dia 14 de junho de 1972. Nas investigações realizadas pela CEMDP, o perito Celso Nenevê, após análise dos casos e dos materiais periciais disponíveis, recomendou a exumação e exame dos restos mortais dos militantes mortos.
Os familiares decidiram promover por conta própria a exumação dos restos mortais de Ana Maria, Iuri Xavier e Marcos Nonato, que, foram examinados pelo antropólogo forense Luís Fondebrider, da Equipe Argentina de Antropologia Forense, e pelo perito brasileiro Nelson Massini. A análise comparativa entre o laudo de necropsia, concluído no Instituto Médio Legal de São Paulo em 20 de junho de 1972, e o laudo produzido pelos peritos mencionados em janeiro de 1997 evidencia grandes contradições. No caso de Iuri Xavier, constatou-se que foi atingido por pelo menos seis projéteis de arma de fogo, o que difere do laudo original, que indicou apenas três.
Por outro lado, a análise das fotografias disponíveis permitiu comprovar que o corpo de Iuri apresentava lesões múltiplas, evidência de que foi agredido quando ainda estava vivo. O laudo elaborado pelo Dr. Massini indica ainda a existência de duas perfurações de entrada de arma de fogo no o coração, as quais são características de disparos efetuados contra alvo imóvel e típicas de tiros de misericórdia ou de execução. Essas perfurações não foram descritas no documento de 1972.
O Laudo de Exame Necroscópico, de 20 de junho de 1972, assinado pelos legistas Isaac Abramovitch e Abeylard de Queiroz Orsini, corrobora a falsa versão e indica que Iuri vestia “cueca azul e meias cinza”, vestimenta pouco usual para alguém que estaria almoçando num restaurante. A ausência de informações no Laudo de Exame Necroscópico sobre os ferimentos observados no corpo e de descrição da trajetória dos projéteis de arma de fogo impediu que importantes circunstâncias da morte de Iuri fossem esclarecidas à época dos exames.
Em 24 de fevereiro de 2014, o núcleo pericial da CNV produziu laudo sobre a morte de Iuri Xavier Pereira, com base nas peças técnicas produzidas em 1972, 1996 e 1997. Os peritos concluíram que, dos projéteis que atingiram Iuri, um no tórax e dois no crânio, pelo menos um foi disparado de cima para baixo, quando ele se encontrava no chão. Por outro lado, os ferimentos na crista ilíaca e no perônio, ambos do lado esquerdo do corpo de Iuri, podem caracterizar técnica de captura. As marcas em seu braço e antebraço esquerdos indicam que Iuri pode ter esboçado gesto de defesa.
A equipe de peritos da CNV também consultou a publicação Ação subversiva no Brasil, produzida pelo Cenimar em maio de 1972, cujas folhas de números 231 a 233 trazem descrição e ilustração sobre a ação dos agentes de segurança na operação que resultou na morte de Iuri Xavier Pereira. A ilustração mostra Iuri sendo atingido por projéteis de arma de fogo na parte posterior do seu corpo e reagindo com disparos; no entanto, a única ferida de entrada de projétil de arma de fogo observada na parte posterior do corpo de Iuri localiza-se na região occipital e, como visto anteriormente, é paralisante e impediria qualquer reação ou movimentação do militante.
Ademais, a comparação entre o Laudo de Exame Necroscópico e a análise realizada a partir da exumação demonstra que apenas em torno de 56% das feridas existentes no corpo de Iuri foram relatadas no Laudo. Além disso, dentre os achados descritos no Laudo, não consta o ferimento produzido por entrada de projetil de arma de fogo na região occipital esquerda, que poderia demonstrar a intenção de causar a morte, em evento compatível com execução.
Iuri Xavier Pereira foi enterrado como indigente no Cemitério Dom Bosco, em Perus, na cidade de São Paulo (SP), e somente em 1982 seus restos mortais foram localizados e trasladados para o Rio de Janeiro. Em 21 de março de 2014, o Instituto Nacional de Criminalística (INC) produziu um laudo que atestou que os restos mortais encontrados são compatíveis com os de um filho biológico de Zilda Paula Xavier Pereira, o que, considerando-se as circunstâncias, permitiu concluir tratarem-se dos restos mortais de Iuri Xavier Pereira.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Iuri Xavier Pereira morreu a partir de ações perpetradas por agentes do Estado brasileiro, em um contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidos pela Ditadura Militar implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Iuri Xavier Pereira, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso para a identificação e a responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.