Atuação Profissional
estudante universitárioOrganização
Movimento de Libertação Nacional (Molipo)Filiação
Maria José de Assis Gomes e Luiz Gomes FilhoData e Local de Nascimento
24/8/1943, Araxá (MG)Data e Local de Morte
Desaparecimento em 9/1/1972, Guaraí (TO, na época estado de Goiás)Em 9 de janeiro de 1972, Jeová Assis Gomes teria sido identificado por agentes da repressão em um campo de futebol em Guaraí.
A versão oficial para sua morte, divulgada por comunicado dos órgãos de segurança, informou: “no último domingo, foi morto a tiros, na cidade de Guaraí, norte de Goiás, o terrorista Jeová Assis Gomes, ao tentar resistir à voz de prisão que lhe fora dada por agentes policiais”. Essa versão seria modificada em apenas três dias, quando foi divulgada outra narrativa para a morte de Jeová: Em comunicado oficial dos órgãos de segurança, reproduzido no jornal O Estado de S. Paulo, de 13 de janeiro de 1972, é relatado que: “Algumas equipes de segurança deslocaram-se de Brasília para o interior de Goiás no encalço de um grupo terrorista empenhado na implantação da guerrilha rural, ao longo da Belém–Brasília. Pelos dados existentes, o referido bando era chefiado por um elemento de grande periculosidade, chegado de Cuba nos meados de 1971, onde fora preparado e incumbido de, no Brasil, ativar a guerrilha e coordenar sua implantação no interior de Goiás. A equipe de segurança abordou o referido elemento, convidando-o, discretamente, a acompanhá-la para fora do pequeno estádio. Aquiesceu, deslocando-se cerca de 15 metros, quando se jogou no chão, puxando do bolso uma granada, na tentativa de acioná-la, no que foi impedido a tiros pelos agentes, no interesse de evitar um morticínio de largas proporções, de populares inocentes”.
A família soube da morte de Jeová pela imprensa, na noite de 16 de janeiro de 1972. Seu irmão foi até Guaraí, onde obteve informações de que Jeová fora morto com um tiro pelas costas e de que estaria enterrado em um cerrado, na periferia da cidade. Não conseguiu nem o laudo, nem a certidão de óbito, tampouco os restos mortais de sue irmão.
No âmbito da CEMDP, o relator do caso, Nilmário Miranda, apresentou o relatório do então delegado de Guaraí, 2º sargento da Polícia Militar (PM), José do Bonfim Pinto: “Aos nove dias de janeiro de 1972, mais ou menos às 15:30 horas, desembarcou nesta cidade, procedente do sul, um indivíduo que, mais tarde foi identificado como Jeová Assis Gomes, terrorista de destaque da ALN. Tomou quarto num hotel local, onde deixou uma pasta que trazia ao desembarcar. Mais ou menos às 16h, rumou para o acampamento da Redobrás, em cuja quadra de esportes era disputada uma partida de futebol, ali se misturou com o povo. Mais ou menos às 16:30 horas, foi abordado por uns senhores, que mais tarde se identificaram como agentes do DOI-CODI/11ª RM, os quais, procurando afastá- lo do meio do povo, deram-lhe voz de prisão, chamando-o pelo seu nome. Vendo-se identificado, empurrou dois dos agentes e tentou empreender fuga, forçando um dos agentes a alvejá-lo. Dado a posição que recebeu o projétil [tórax], teve morte instantânea”.
Ao concluir o relatório, o delegado descreveu o que fora encontrado na pasta: mapas de Goiás, bússola, roupas, documentos, um revólver, munição e uma bomba de fabricação caseira. Posteriormente, em 15 de setembro de 1972, o delegado encaminhou correspondência ao secretário de Segurança de Goiás, dizendo que, estando impossibilitado de abrir inquérito para investigar a morte de Jeová, remetia todo o material existente na Delegacia de Polícia. Em seu voto, o relator descreveu as tentativas feitas para obter os documentos relativos à morte de Jeová.
O secretário executivo da CEMDP solicitou ao então secretário de Segurança de Goiás, Antônio Lorenzo Filho, o laudo de exame necroscópico, o relato da apreensão, a foto do corpo e toda a documentação referente a Jeová Assis Gomes. Fez, ainda, solicitação de mesmo teor ao secretário de Justiça, Virmondes Borges Cruvinel. Em 7 de junho de 1996, o superintendente da polícia técnico-científica de Goiás encaminhou ofício à CEMDP, informando que “[…] após minuciosas buscas em nossos arquivos de identificação civil, criminal e médico-legal, não encontramos nenhum registro da pessoa de Jeová Assis Gomes”, confirmando, ao que parece, que todo material referente a Jeová fora levado pelos agentes do DOI-CODI/11ª Região Metropolitana, como havia declarado o delegado da cidade, em 1972.
O Ministério Público Federal de Tocantins ingressou com uma Ação Civil Pública em novembro de 2012, requerendo a responsabilização penal e civil de Lício Augusto Ribeiro Maciel como autor e partícipe da prisão ilegal e morte de Jeová, bem como a responsabilização da União, instada também a empreender medidas para a localização do corpo. Na Ação Civil Pública é citado trecho do livro O Coronel Rompe o Silêncio, do jornalista Luiz Maklouf Carvalho, onde é transcrita parte das declarações do coronel do Exército Lício Augusto Ribeiro Maciel, apontando que estava entre os policiais que alvejaram o militante, indicando, assim, possível participação em sua morte: “A cena ainda está viva na memória dos locais, pois foi o maior acontecimento de todas as épocas, creio eu: um tiroteio num campo de futebol lotado, apenas dois atingidos, o Jeová e um militar (alguns só arranhados, de raspão e ricochete). Eu levei apenas um safanão dele, que tinha 1,90m e uns cem quilos de peso. Achei que podia imobilizá-lo”.
A Comissão Nacional da Verdade localizou documento da Agência Brasília do Serviço Nacional de Informações (SNI) que confirma que Jeová Assis Gomes foi perseguido e morto a partir da Operação Ilha, cujo objetivo foi “localizar e desbaratar núcleos terroristas instalados no norte do Estado de Goiás, constituídos por elementos da Ação Libertadora Nacional, procedentes de Cuba”, daí o nome da operação Ilha. Durante seis dias, elementos dos DOIs acima mencionados e do CIE, a partir da certificação, obtida junto a fazendeiros e boiadeiros, por fotografias, de que jeová, efetivamente, estava na região, estabeleceram três eixos de busca: Brasília-Gurupi-Araguarina; Tocantinópolis-Carolina-Balsas e Porto NacionalAlmas-Dianópolis.
O relatório da Operação Ilha, encaminhado em 2 de maio de 1972 à Presidência da República, foi produzido pelo DOI/CODI do Comando Militar do Planalto, pelo DOI da 3ª Brigada de Infantaria e pelo CIE/ADP, o que confirma a presença de agentes do DOI na execução de Jeová, conforme relatos já colhidos sobre o caso. Mais do que isso, evidencia a orientação e organização do regime para a execução de militantes que regressassem de Cuba, também observado no caso de outros militantes do Molipo, como Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado, executados no interior de Goiás.
Os restos mortais de Jeová Assis Gomes não foram localizados e identificados até a presente data, havendo apenas a informação de seu sepultamento em Guaraí. Diante da ausência de localização e de identificação completa de seus restos mortais, a Comissão Nacional da Verdade considera que Jeová Assis Gomes permanece desaparecido.
Jeová Assis Gomes é considerado desaparecido político por não terem sido entregues os restos mortais aos seus familiares, o que não permitiu o seu sepultamento até os dias de hoje.
Conforme o exposto na Sentença da Corte Interamericana no caso Gomes Lund e outros, “o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine com certeza sua identidade”, sendo que o Estado “tem o dever de investigar e, eventualmente, punir os responsáveis”.
Assim, recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso de Jeová Assis Gomes, localização de seus restos mortais, retificação da certidão de óbito, identificação e responsabilização dos agentes envolvidos no caso, conforme sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que obriga o Estado Brasileiro “a investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis e de determinar o paradeiro das vítimas”.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.