Comandante da Ação Libertadora Nacional (ALN), conhecido como “Toledo” e “Velho”. Entrou para o Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1933. Jornalista, dirigiu diversos periódicos do partido e, em 1937, quando Getúlio Vargas instaurou o Estado Novo, passou a atuar de forma clandestina. Esteve por vários anos preso, tendo sido torturado pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) paulista. Foi submetido a pau de arara, palmatória, afogamentos. Também enfiaram farpas de bambu embaixo de suas unhas, que foram definitivamente arrancadas.
Durante as décadas de 1940 e 1950 esteve à frente da imprensa partidária em São Paulo. Depois da anistia, em 1945, e da legalidade do PCB, Câmara se tornou um dos principais dirigentes do partido em São Paulo. Em 1948, viajou para a União Soviética para realizar estudos sobre política.
Em 1964, foi preso pelos órgãos policiais por realizar uma palestra para operários em São Bernardo do Campo, sendo libertado pouco depois. Foi condenado pela ditadura militar a dois anos de reclusão. Em 1967, foi um dos principais signatários do “Manifesto do Agrupamento Comunista de São Paulo” – que se tornou o embrião da ALN.
Era considerado o número dois da ALN e participou diretamente do sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, que garantiu a libertação de 15 presos políticos. Em novembro de 1969, quando Carlos Marighella foi assassinado, encontrava-se em Cuba. Retornou ao Brasil e assumiu o comando da organização.
Foi preso no dia 23 de outubro de 1970, na Avenida Lavandisca, em São Paulo. Do local de sua prisão, Câmara foi levado, já sob tortura, para o sítio clandestino “31 de março”, utilizado pelo delegado Sérgio Fleury. No sítio, continuou sendo torturado, morrendo algumas horas após sua prisão. A presa política Maria de Lourdes Rego Melo é testemunha de que Joaquim Câmara Ferreira foi preso vivo e levado ao sítio clandestino do delegado, e que a sua morte se deu como consequência da violência das torturas.
Joaquim Câmara Ferreira foi detido por agentes do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS-SP), chefiados pelo delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, em 23 de outubro de 1970, por volta das 19 horas. As investigações que conduziram à prisão de Joaquim começaram com a detenção de José da Silva Tavares, militante da ALN que utilizava o codinome “Vitor”, em Belém (PA). A partir das informações obtidas com Tavares, os órgãos de segurança e informações montaram a emboscada que resultou na prisão de Joaquim. “Toledo” foi preso na avenida Lavandisca, em São Paulo (SP), quando compareceu ao ponto onde encontraria com Maria de Lourdes Rego Melo, presa junto com Maurício Segall na tarde daquele mesmo dia. Joaquim resistiu aos policiais e chegou a ferir alguns dos agentes envolvidos na ação. Ele teria tentado alcançar, sem sucesso, uma cápsula de cianureto que portava consigo com o objetivo de não ser preso vivo. Desde que fora torturado, no período do Estado Novo, Joaquim afirmava que não se deixaria prender novamente. Dominado pelo grande número de agentes envolvidos na operação, Joaquim foi transportado para um centro clandestino de detenção e tortura que ficou conhecido como “Sítio 31 de março” ou “Sítio do Fleury”, nos arredores de São Paulo. Depois de algumas horas de interrogatório sob tortura, morreu no mesmo dia 23 de outubro. Testemunhas presentes no sítio afirmam que um médico chegou a ser chamado para reanimar Joaquim, com o fim de continuar o interrogatório. Esta versão é confirmada pelo depoimento de Maurício Segall para a CEMDP, realizado em 15 de abril de 1996: No sítio, bem primitivo, ao qual chegamos de olhos vendados, a iluminação era de velas, pois não havia luz elétrica. O sítio aparentemente tinha dois quartos, uma sala/cozinha e um banheiro. Os choques elétricos aplicados no pau-de-arara eram gerados num aparelho, acionado por manivela manual. Já estava lá sendo torturado Viriato, recém-chegado de Cuba… Tudo que se passava num dos cômodos, mesmo com porta fechada, se ouvia nos demais […]. Quando fui pendurado, o interrogador era o próprio Fleury […]. Em meio da minha tortura no pau-de-arara, já de noite, que vinha durando algum tempo, houve uma agitação coletiva, colocaram uma espécie de apoio nos meus quadris, de forma que fiquei só parcialmente pendurado e a maioria dos policiais deixou às pressas o sítio, deixando apenas dois ou três para trás. Não sei quanto tempo isto durou (no mínimo 2 horas) mas, a um certo momento fui tirado com as pernas totalmente inermes do pau-de-arara só podendo andar amparado e fiquei sentado na sala com uma venda nos olhos, mas que deixava uma fresta na parte de baixo. Logo depois ouvi uma pessoa chegando, arfando desesperadamente, com falta de ar, com sintomas muito parecidos com ataque cardíaco (que eu conhecia, pois eram semelhantes àqueles do meu pai, por ocasião de sua morte). Esta pessoa foi levada para o quarto que tinha a cama e não o pau-de-arara. Fiquei sabendo que era Toledo pelos comentários que vinham sendo feitos pelos policiais. Havia muita agitação entre eles e Toledo não parava de arfar. A um certo momento, vi pela fresta inferior da venda dos olhos, passarem duas pernas vestidas de branco calçadas com sapatos brancos. Não havia dúvida que era um médico. Logo depois, Toledo parava de arfar. Muito rapidamente o acampamento foi levantado e fomos levados de olhos vendados para o DOPS e a seguir para a OBAN […]. Ouvi diversas manifestações de irritação do pessoal da OBAN com o pessoal do Fleury devido à morte de Toledo sem que eles pudessem tê-lo interrogado também […]. Soube depois também que o fato de Maria, Viriato e eu termos sobrevivido ao sítio se deveu, em boa parte, à morte prematura de Toledo.i O processo de reparação movido junto à CEMDP pela família de Joaquim lista, ainda, outros documentos que contribuem para elucidar as circunstâncias nas quais se deu sua morte. O “Relatório Especial de Informação nº 7/70”, datado de 3 de novembro de 1970, assinado pelo general Ernani Ayrosa da Silva, chefe do Estado Maior do II Exército, afirma que […] na sexta-feira, dia 23, às 13.30 horas, na rua Humberto I, um elemento „cobriu‟ „ponto‟ com BAIXINHA (MARIA DE LOURDES REGO MELO). Às 14.00 horas, próximo à rua Humberto I, BAIXINHA foi presa juntamente com MATIAS (MAURÍCIO SEGAL), que levava Cr$3.500,00 para ser entregue a TOLEDO. Em poder daquela foi encontrado um bilhete manuscrito por TOLEDO, que deveria ser entregue e RUI com o objetivo de marcar dois “pontos” com TORRES (VIRIATO XAVIER DE MELLO FILHO) e KALIL (ANTÔNIO CARLOS BICALHO LANA), o primeiro a se realizar na Rua Lavandisca, entre os números 400 e 600, às 19.30 horas, e o segundo na Rua Bentevi, em toda a sua extensão às 20:00 horas. (f) Efetuado o cerco da área conseguiu-se a captura de TOLEDO (JOAQUIM CÂMARA FERREIRA), após luta corporal desesperada do epigrafado reagindo aos policiais. Nas imediações foi preso também TORRES. (g) Quando estava sendo submetido a interrogatório, TOLEDO foi acometido de crise cardíaca, que lhe ocasionou a morte, apesar de assistência médica a que foi submetido.ii A versão dos órgãos de segurança sobre a morte de Joaquim consta de um telex encontrado no DOPS de Pernambuco, proveniente do Centro de Informações do Exército do Rio de Janeiro (CIE-RJ). O documento, também constante no processo movido junto à CEMDP e no Relatório Parcial de Pesquisa da CNV, afirma que, mesmo desarmado, Joaquim tentou resistir à prisão, causando ferimentos a diversos agentes. Em consequência, seu coração não resistiu aos combates corporais e o militante morreu no local de sua prisão. O laudo de exame necroscópico, assinado pelos médicos-legistas Mário Santalúcia e Paulo Augusto de Q. Rocha, atesta que Joaquim morreu em decorrência de “congestão e edema pulmonar no decurso do miocárdio e esclerose com hipertrofia ventricular esquerda”. O mesmo laudo afirma ainda que […] dos elementos observados no presente exame necroscópico, infere-se que o examinado era portador de alterações patológicas dos aparelhos circulatório, digestivo e urinário, processos que, embora comprometessem as suas condições de Higidez, eram compatíveis com a vida, não justificando o êxito letal inopinado. A causa determinante da morte radica no desencadeamento de um processo de congestão e edema agudo dos pulmões, que é a invasão dos alvéolos e do tecido pulmonar interstical pelo extravasamento de líquido seroso dos capilares pulmonares. Joaquim Câmara Ferreira foi sepultado por sua família no Cemitério da Consolação, na cidade de São Paulo (SP).
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Joaquim Câmara Ferreira morreu em decorrência das ações perpetradas por agentes do Estado brasileiro em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964. Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso e a identificação e responsabilização dos agentes envolvidos.