Organização
Movimento de Ação Revolucionária (MAR)Filiação
Dorvalina da Silva Cietto e Primo CiettoData e Local de Nascimento
12/10/1936, Pederneiras (SP)Data e Local de Morte
4/9/1969, Rio de Janeiro (RJ)Roberto Cietto foi preso, no dia 4 de setembro de 1969, quando passava diante da casa do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, que acabara de ser sequestrado. Reconhecido por agentes do aparato repressivo e levado para o PIC no 1° BPE, foi morto, sob tortura, no mesmo dia. De acordo com a versão apresentada por órgãos do Estado, Roberto Cietto teria se suicidado nas dependências do 1º BPE. Conforme consta no Termo de inquirição de testemunhas, do dia 19 de setembro de 1969, o soldado Marçal Veneri afirma que estava realizando a guarda no dia da ocorrência e que, no momento em que foi verificar as celas, Roberto estava vivo.
Além disso, declarou que não percebeu ninguém entrando na cela. No entanto, ao realizar nova ronda, percebeu que algo havia acontecido. Ao chegar próximo à cela de Roberto, notou que ele se encontrava imóvel atrás do banheiro. O soldado alegou ter chamado o sargento Valdomiro Koroll e mais um soldado sentinela e, juntos, teriam visto, através das grades, que Roberto encontrava-se imóvel. Ao entrar na cela teriam confirmado que ele se encontrava enforcado, com um cadarço e um pedaço de pano amarrado ao registro do banheiro.
O corpo de Roberto Cietto deu entrada no Instituto Médico-Legal (IML) no dia 4 de setembro de 1969. Foi necropsiado pelos médicos Elias Freitas e João Guilherme Figueiredo e o laudo reforça a versão de que Roberto teria se enforcado. Ainda de acordo com o laudo, ele teria sido encontrado no banheiro da cela da Polícia do Exército (PE) em “suspensão parcial”, “sentado no piso”, posições que, de acordo com os órgãos da repressão, representariam o suposto suicídio.
Tomando o caso de Roberto Cietto como exemplo, o coronel Luiz Helvécio da Silveira Leite declarou ao jornalista Elio Gaspari que a simulação de suicídio era um expediente utilizado no Batalhão da Polícia do Exército para encobrir os mortes provocadas pela tortura. Referindo-se à morte de Chael Charles Schreier, Gaspari registra da seguinte forma os procedimentos relatados pelo coronel: Havia um cadáver na 1ª Companhia da PE.
Em casos anteriores esse tipo de problema fora resolvido com um procedimento rotineiro. Fechava-se o caixão, proclamava-se o suicídio e sepultava-se o morto. O método já dera certo duas vezes, naquele mesmo quartel. Em maio, com Severino Viana Colom, e em setembro, com Roberto Cieto (sic). Investigações posteriores passaram a questionar a versão inicial e o parecer dos médicos-legistas, já que as fotos e o laudo de perícia do local da morte, encontrados no IML pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ), revelaram que o corpo de Roberto Cietto apresentava escoriações ignoradas no relatório dos médicos, tais como hematomas na pálpebra direita, braço direito e perna esquerda, o que indica que ele foi submetido à tortura. Além disso, a análise do material fotográfico mostra que não era possível Roberto se enforcar na posição em que os agentes de segurança o teriam encontrado.
Além dessas evidências, em entrevista à revista Veja, em 3 de novembro de 1999, o coronel do Exército, Élber de Mello Henriques, confirmou que Cietto havia sido torturado no quartel da polícia do Exército. Segundo declarou, teria visto Roberto pendurado em um “pau-de-arara”, em estado de evidente sofrimento. Segundo relatou, ele teria solicitado que tirassem Roberto Cietto dali, pois tinha a intenção de interrogá- lo em outro dia. Quando retornou ao quartel na semana seguinte, mandou que o encaminhassem, mas foi informado que ele havia se suicidado.
O coronel Élber de Mello Hentiques recordou, ainda, que naquela ocasião apresentou uma denúncia ao general Carlos Alberto Cabral Ribeiro, chefe do Estado Maior do I Exército, contra o tenente-coronel José Ney Fernandes Antunes, por ter autorizado a tortura dos presos políticos. Entretanto, o general Carlos Alberto nada teria feito contra os torturadores e ainda afastou o coronel Élber de Mello do quartel.
Reafirmando a fala do coronel Élber de Mello Henriques, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), Flávio Tavares descreve não só como viu o corpo de Cietto, como faz uma clara homenagem ao companheiro de militância política:
[…] no dia em que sequestram o embaixador norte americano me levam de novo para uma cela, dessas celas individuais no piso térreo e, com luzes apagadas, me fazem entrar na cela. Eu tropeço numa pessoa que dorme, até que eu me habituo à escuridão e verifico que a pessoa não dorme, está morta! Era um rapaz: rapaz é modo de dizer, ele devia ter uns 29 anos, era negro e pobre! Primeiras vítimas: negro e pobre! Não tinha ninguém para interferir por ele, era do nosso movimento, esse rapaz foi uma coisa muito linda. […] ele tinha roubado um carro no Rio e ele era analfabeto, foi sentenciado à 12 anos de prisão e, na penitenciária Lemos de Brito, ele aprendeu, ele foi alfabetizado. Ele era muito inteligente, inteligentíssimo.
Roberto Cietto, foi alfabetizado e politizado pelos marinheiros que estiveram presos lá, os marinheiros expulsos da Marinha e, bom, ele começa a ler. E depois em uma fuga que teve da penitenciária Lemos de Brito ele saiu. Ele foi um dos dois presos comuns escolhido pelos presos políticos para acompanhar. Então ele foi para uma tentativa de foco guerrilheiro que se fez em Angra dos Reis, mas ele tinha um problema tinha que ser operado de uma hérnia, então ele voltou para o Rio.
Eu acho que eles me levaram para a cela dele para que eu reconhecesse quem era, entendeu? Ele não disse nenhum nome, ele cuspia na cara desse major Fontenelli, cuspia, e aí ele foi morto asfixiado. A vida desse rapaz é muito bonita, porque ele era um marginal, um marginal pela sua situação social, eu não vou fazer aqui uma falsa sociologia, que foi reabilitado e alfabetizado. Ele era inteligentíssimo, só que tinha tido uma vida miserável no Rio. Roberto Cietto. E esse coronel Élber Melo Henriques viu o Cietto, ele conta em detalhes. Viu o Cietto, viu o cadáver – muito possivelmente depois de mim – e aí que ele fez uma carta ao comandante do Exército denunciando a morte do Cietto e as minhas torturas.
O Cietto foi morto no dia do sequestro do embaixador norte-americano, uma coincidência, dia 4/9/1969. Roberto Cietto foi enterrado como indigente no cemitério de Santa Cruz, no Rio de Janeiro.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Roberto Cietto morreu em decorrência de ação perpetrada por agentes do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a retificação da certidão de óbito de Roberto Cietto, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a localização de seus restos mortais e identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
O Estado brasileiro utilizou uma série de mecanismos para amedrontar a população, sobretudo aqueles que não estivessem de acordo com as medidas ditatoriais. Conheça os reflexos do aparato repressivo e os focos de resistência na sociedade.