Atuação Profissional
professora universitáriaOrganização
Ação Libertadora Nacional (ALN)Filiação
Ester Kucinski e Majer KucinskiData e Local de Nascimento
12/1/1942, São Paulo (SP)Data e Local de Morte
Desaparecimento em 22/4/1974, São Paulo (SP)Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), Ana Rosa Kucinski é uma desaparecida política. Professora no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), Ana Rosa desapareceu junto com seu marido, físico e também militante da ALN, Wilson Silva, em 1974. No ano seguinte a seu sequestro e desaparecimento, Ana Rosa foi absurdamente demitida da USP por “abandono de função”, quando todos sabiam que isso não tinha acontecido. Seus familiares procuraram em todos os locais de prisão na esperança de alguma notícia ou informação, mas nada conseguiram.
O pai de Ana Rosa, Majer Kucinski, lutou incansavelmente para obter alguma informação e se tornou um símbolo da luta dos familiares de desaparecidos políticos. Quarenta anos após o sequestro da professora por agentes da ditadura, em abril de 2014, a USP corrigiu o “equívoco” e anulou sua demissão por abandono de emprego. Em 2011, Bernardo Kucinski, irmão de Ana Rosa, publicou o livro “K.”, no qual narra, por meio de ficção, a saga de seu pai na busca pela filha.
Ana Rosa Kucinski desapareceu no dia 22 de abril de 1974, na companhia de seu marido, Wilson Silva, quando foi presa por agentes do Estado brasileiro, na cidade de São Paulo. Desde então, o Estado brasileiro apresentou diferentes posicionamentos para a prisão e desaparecimento de Ana Rosa e Wilson Silva.
A princípio, o Estado recusou-se a fornecer qualquer informação, em decorrência do não reconhecimento da prisão do casal de militantes. Em fevereiro de 1975, o então ministro da Justiça, Armando Falcão, tornou pública nota oficial, na qual os nomes de Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva são citados como “terroristas foragidos”. Apenas em 1993, quase duas décadas após a prisão do casal, o relatório da Marinha, encaminhado ao Ministério da Justiça, confirmou que Wilson havia sido “preso em São Paulo a 22/04/1974, e dado como desaparecido desde então”.
No tocante a Ana Rosa, o documento apresenta acusações caluniosas, as quais são estendidas ao irmão dessa militante, Bernardo Kucinski. De acordo com depoimentos coletados pelas famílias de Wilson Silva e de Ana Rosa Kucinski, no dia 22 de abril de 1974, por volta do meio-dia, o casal havia marcado um almoço em um restaurante situado nas proximidades da Praça da República, no centro de São Paulo. Wilson, que trabalhava na empresa Servix, despediu-se de um colega de trabalho, Osmar Miranda Dias, e foi ao encontro da esposa. Ana também comunicou os seus planos aos colegas de departamento, e dirigiu-se à Praça da República. Desde então, o casal não voltou a ser visto.
No mesmo dia, as famílias Silva e Kucinski, alertadas pelos colegas de trabalho de Ana Rosa, tomaram providências no intuito de localizar os dois militantes. O advogado Aldo Lins e Silva impetrou habeas corpus, em favor de Ana Rosa e Wilson, entretanto, com fundamento no Ato Institucional nº5, o pedido foi negado. Em suma: nenhuma unidade militar ou policial reconhecia a prisão do casal.
Ao mesmo tempo, outras iniciativas políticas foram postas em marcha. O então Cardeal de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, conseguiu audiência com o chefe da Casa Civil do governo Geisel, o general Golbery do Couto e Silva. Na reunião, realizada na capital federal no dia 7 de agosto de 1974, foi prometida intensa investigação por parte do governo. Quatro meses depois, diante da ausência de informações concretas sobre o caso, a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) foi acionada, no que foi respondida pelo governo brasileiro sobre a ausência de responsabilidade do Estado.
Apesar da impossibilidade de conseguir informações seguras, as famílias insistiram na luta pelo direito de saber o que havia acontecido com Wilson Silva e com Ana Rosa Kucinski. Com esse propósito, pediram informações ao departamento de Estado do governo norteamericano sobre o destino do casal, que respondeu por meio da American Jewish Communitee e do American Jewish Congress. Acerca de Ana Rosa, afirmaram que estaria viva. Quanto a Wilson, disse que desconheciam o seu paradeiro. Foram nesses termos também que, em 18 de dezembro de 1974, a família recebeu a última comunicação formal sobre o caso.
Ao longo dos anos, diferentes versões foram divulgadas para o desaparecimento dos dois militantes. Uma dessas versões pode ser encontrada no depoimento prestado à revista IstoÉ pelo tenente-médico Amílcar Lobo, que colaborou com o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) do I Exército, e atuou também no aparelho clandestino conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis (RJ). Na matéria intitulada “Longe do Ponto Final”, datada de 8 de abril de 1987, relatou os assassinatos que presenciara na Casa da Morte e no DOI-CODI do I Exército.
Procurado pelo jornalista Bernardo Kucinski, irmão de Ana Rosa, em 31 de maio de 1987, Lobo fez menção de rememorar Wilson Silva da Casa da Morte, mas não o admitiu formalmente. Por semelhante, foi Bernardo Kucinski quem prestou os seguintes esclarecimentos, por meio de requerimento à CEMDP, sobre o desaparecimento de sua irmã e seu cunhado, com fundamento nas declarações do agente da repressão José Rodrigues Gonçalves à jornalista Mônica Bérgamo, da revista Veja, em uma entrevista de 1993: “Minha irmã e seu marido Wilson Silva foram presos na tarde do dia 22 de abril de 1974, pelo agente do DOI-CODI de codinome Paulo da Silva Júnior, quando voltavam para sua residência. O verdadeiro nome desse agente é José Rodrigues Gonçalves, cabo reformado do Exército. Minha irmã e meu cunhado foram levados na madrugada do mesmo dia para Petrópolis pelos policiais Ênio Pimentel da Silveira e Sérgio Paranhos Fleury, ambos já mortos. O Sr. Paulo [Henrique] Sawaya [Filho], na condição presumida de agente do serviço de repressão, informou-me, em 3 de janeiro de 1975, que minha irmã efetivamente havia sido presa pelos órgãos de segurança em São Paulo e transferida da jurisdição do II Exército. Ficou de me dar detalhes no dia seguinte, quando, assustado, negou tudo. O Sr. Paulo Sawaya tornou-se assessor do deputado federal Delfim Neto.”
Já em depoimento prestado à Comissão Nacional da Verdade (CNV) no dia 30 de outubro de 2012, Marival Chaves Dias do Canto explicitou que Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva foram levados à Casa da Morte ainda vivos. No dia 10 de maio de 2013, prestou outro depoimento à CNV, quando afirmou que Ana Rosa, Wilson e outros militantes da ALN foram presos após delação do agente infiltrado João Henrique Ferreira de Carvalho, o “Jota”, que depois passou a atuar como médico em Brasília. Naquela ocasião, ratificou a tentativa de extorsão à família de Ana Rosa por agentes do DOI, como já denunciado pelo irmão dela, Bernardo Kucinski. Ainda, em 7 de fevereiro de 2014, em novo depoimento, Marival confirmou que Ana Rosa e Wilson foram levados para Petrópolis pelo coronel do Exército Freddie Perdigão Pereira.
Complementando as informações sobre o desaparecimento de Ana Rosa e Wilson, o ex-delegado da Polícia Civil do Espírito Santo, Cláudio Guerra, por meio do livro ‘Memórias de uma Guerra Suja’, publicado em 2012, afirmou ter participado da incineração de corpos de presos políticos na Usina Cambahyba, em Campos (RJ), que pertencia ao ex-deputado federal e ex-vice-governador do estado do Rio de Janeiro, Heli Ribeiro Gomes. A CNV realizou perícia no local com o ex-delegado Cláudio Guerra e, ainda que não tenha sido possível encontrar evidências concretas do uso dos fornos para os fins declinados, verifica-se a plausibilidade desta versão diante de dois elementos principais: a) tamanho dos fornos; b) data de construção dos fornos, em 1974.
Sobre Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva, Cláudio Guerra detalhou: “Eu me lembro muito bem do casal, Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva, por conta de um incidente no caminho entre a rua Barão de Mesquita e a Usina. Eu e o sargento Levy, do DOI, fomos levar seus corpos. Os dois estavam completamente nus. A mulher apresentava muitas marcas de mordida no corpo, talvez por ter sido violentada sexualmente. O jovem não tinha as unhas da mão direita. Tudo levava a crer que tinham sido torturados. Não havia perfuração de bala neles. Quem morre de tiro não sofre. Morte por tortura é muito mais desumano. Eu não prestava muita atenção nos cadáveres que transportava. Até porque eles nos eram entregues dentro de um saco. O problema é que, quando estávamos indo do Rio em direção a Campos, já quase chegando lá, bem naquela reta da estrada, o Chevette que viajávamos simplesmente pegou fogo. Os corpos do casal não tinham sido afetados pelo incêndio do carro. O que fizemos? Simplesmente saímos do veículo. Naquela época não havia celular, era tudo mais difícil. O sargento Levy pegou carona até um telefone público, ligou para a usina [Usina Cambahyba] e eles vieram nos resgatar na estrada.”
Segundo outro depoimento de Claudio Guerra, prestado à CNV em julho de 2014, a equipe do coronel Freddie Perdigão teria sido responsável pelas mortes de Ana Rosa e de Wilson. Ainda no âmbito das investigações efetuadas pela CNV, realizou-se uma oitiva com o ex-chefe da Assessoria Regional de Segurança e Informação do Ministério da Educação (MEC) em São Paulo, Arminak Cherkezian, no dia 1o de setembro de 2014 na cidade de São Paulo. Ao ser interpelado sobre Ana Rosa Kucinski, afirmou não se lembrar do caso: “Esse assunto nunca transitava, nós éramos comunicados o que estava acontecendo. O pessoal de campo que eles falavam, que produziam estes documentos, divulgavam também para a gente informar o ministro. A função das Assessorias é de informação ao ministro e recebemos do ministro, da Divisão [de Segurança e Informação] dele para distribuir também. Mas a isso [a mortes e desaparecimentos] nós não tínhamos acesso jamais.”
No entanto, em pesquisas realizadas nos livros de entrada do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS/SP), foi encontrado o registro, datado de 23 de abril de 1974, um dia depois do desaparecimento de Ana Rosa, da entrada do chefe da Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI) da USP, Krikor Tcherkezian, irmão de Arminak. Antes do dia 23, ainda no ano de 1974, o livro do DOPS registrou cinco entradas de Krikor, todas elas com rápida duração. No dia 23 de abril, Krikor ficou 1h30 naquela delegacia. Posteriormente, foram registradas mais cinco entradas do chefe da AESI/USP, todas rápidas, com exceção da visita de duas horas no dia 22 de maio de 1974. Krikor não foi localizado pela CNV.
Bernardo Kucinski, em termo de declarações prestado à Comissão de Justiça e Paz em 20 de setembro de 1990, disse haver encontrado um cidadão de nome Krikov no Quartel General do II Exército, em janeiro de 1975, que se apresentou como “assessor do reitor da USP”. Ele declarou nada saber sobre o paradeiro de Ana Rosa e Wilson, mas manifestou insatisfação com as delongas no andamento do processo administrativo que levaria à demissão de Ana Rosa pelo abandono de seu emprego como professora da USP, em outubro do mesmo ano.
Diante da privação de liberdade, da suposta morte e da ausência de identificação de seus restos mortais, a CNV entende que Ana Rosa Kucinski, até a presente data, permanece desaparecida.
Diante das investigações realizadas, conclui-se que Ana Rosa Kucinski desapareceu em 22 de abril de 1974, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964.
Recomenda-se a continuidade das investigações sobre as circunstâncias do caso, para a localização de seus restos mortais e identificação e responsabilização dos demais agentes envolvidos.
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