Com a renúncia de Jânio Quadros e a posse de João Goulart, em 1961, o país passou a conviver com notícias periódicas de que o novo presidente implementaria um plano de governo cheio de medidas populares e evidente tendência à polarização. Reforma agrária, reforma educacional e nacionalização de empresas privadas que atuassem em setores estratégicos eram alguns de seus pilares. Esses temas, bem como a presença de intensas ondas migratórias do Nordeste para o Sudeste, o inchaço das favelas, a situação do morador de morro, entre outros, passaram a inspirar os artistas mais sensíveis às causas sociais.
O polo criador em que essa posição ideológica era mais explícita era o Centro Popular de Cultura da UNE, criado em 1961 por gente da música, do teatro e do cinema: Carlos Lyra, Oduvaldo Vianna Filho, Leon Hirszman e Carlos Estevam, que logo atraíram para o grupo Edu Lobo, Nara Leão, Ruy Guerra, Sérgio Ricardo e Geraldo Vandré.
Letras de cunho social começaram a se disseminar, normalmente embaladas em harmonias que flertavam com a música folclórica e as manifestações populares. Já em 1960, Lyra havia escrito a trilha sonora de uma peça de Vianinha com o sugestivo título de A Mais Valia Vai Acabar, Seu Edgard, na qual incluiu sua “Canção do Subdesenvolvido”.
Foi por meio do CPC que Sérgio Ricardo e Ruy Guerra emplacaram os primeiros filmes, como Esse Mundo É Meu, e Edu Lobo fez as primeiras trilhas para teatro, em especial as canções compostas com Ruy Guerra (“Reza”, “Aleluia”) e Gianfrancesco Guarnieri (“Upa Neguinho”, “Eu Vivo Num Tempo de Guerra”), presentes em espetáculos dirigidos por Augusto Boal, como Arena Conta Zumbi, de 1965, que lançou a semente do Teatro do Oprimido.
O produto mais notável desse período, também dirigido por Augusto Boal, no Teatro de Arena do Rio, foi o Show Opinião. Nele, a musa da bossa nova, Nara Leão, subiu ao palco acompanhada pelo sambista carioca Zé Keti, autor da música “Opinião”, e pelo sanfoneiro nordestino João do Vale, autor de “Carcará”. O encontro foi tocante: a burguesia letrada, lado a lado com a autêntica cultura nacional, indicavam o caminho para a música cada vez mais engajada que seria feita a seguir, na segunda metade dos anos 1960 e no início dos anos 1970, períodos caracterizados pela hegemonia da Era dos Festivais e das canções de protesto.
No mesmo ano de 1965, a revelação de Elis Regina no 1º Festival da TV Excelsior, cantando “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, transformou a cantora gaúcha de vinte anos no maior fenômeno da música brasileira. Dois dias após sua consagração na final do festival, Elis subia no palco do Teatro Paramount para apresentar por três noites consecutivas o show Dois na Bossa, ao lado de um crooner de boate, que fazia relativo sucesso com a música “Deixe que Digam”: Jair Rodrigues. Confirmando o talento da cantora, uma das três noites foi registrada no álbum homônimo, que bateu a marca de 1 milhão de cópias vendidas.
Uma semana após o festival da Excelsior, o país só queria saber de Elis Regina. Os diretores da emissora, no entanto, se recusaram a contratá-la, afirmando que não teriam onde aproveitá-la. Coube à concorrente Record fazer o que precisava ser feito: criou para ela um programa, O Fino da Bossa, no qual repetiria a dupla com Jair Rodrigues. Ali como no show, apresentavam um repertório fortemente inspirado na bossa nova tradicional e na bossa nova engajada, incluindo sambas de morro emprestados do Show Opinião, três canções de Edu Lobo, outras duas de Carlos Lyra, duas de Sérgio Ricardo. Elis, dona do maior salário da TV, alçava a bossa engajada a uma audiência inédita.