Ela tinha 18 anos quando despencou de Salvador para o Rio de Janeiro com a melhor das referências: Nara Leão, a musa da bossa nova, a escolhera para substituí-la no show Opinião, em que se apresentava ao lado de Zé Keti e João do Vale sob a direção de Augusto Boal (e direção musical de Dori Caymmi), no Teatro de Arena de Copacabana. Nara a conhecera meses antes, numa viagem à Bahia.
Aceito o convite, em fevereiro de 1965, o país se preparava para conhecer uma das mais intuitivas intérpretes de sua história. Desde a estreia, em dezembro de 1964, o show Opinião fazia enorme sucesso de público e de crítica, incensado pela acusação de ser panfletário, subversivo. Sua ousadia era reunir no mesmo palco um nordestino, um carioca do morro (ambos pobres e negros) e a mais patricinha das cantoras da Zona Sul. Juntos, os três cantavam canções que, no plano geral, denunciavam a desigualdade e a injustiça social.
Com Maria Bethânia, o espetáculo ganhou em intensidade. Dali saiu o primeiro hit da cantora: “Carcará”, de João do Vale e José Cândido. A voz quase viril de Bethânia e sua postura agreste vestiram como uma luva o repertório e a proposta do musical, uma das primeiras manifestações culturais a insurgir contra o regime.
No mesmo ano, Bethânia participaria de outros dois espetáculos dirigidos por Boal: Tempo de Guerra e Arena Conta Bahia. “É um tempo de guerra / é um tempo sem sol”, dizia uma das canções do primeiro, de Edu Lobo e Guarnieri, inspirada em versos de Bertolt Brecht. “Prefiro ter toda a vida / a vida como inimiga / a ter na morte da vida / minha sorte decidida”, dizia uma canção do segundo, “Viramundo”, de Gilberto Gil.
Foi graças à ida de Bethânia para o Opinião que seu irmão Caetano, quatro anos mais velho, arriscou acompanhá-la na mudança para o Rio. O primeiro disco de Bethânia saiu antes do de Caetano. Gilberto Gil, Edu Lobo e o próprio Caetano foram três dos muitos compositores lançados por ela. Gal Costa também estreou em disco dividindo com Bethânia os vocais de “Sol Negro”, no álbum de 1965.
Ao longo de sua carreira, Bethânia manteria a dramaticidade de “Carcará” em muitas interpretações, tornando-se habitué em declamar versos entre as canções, e voltaria a visitar com frequência o cancioneiro popular, gravando sambas de roda e música regional nordestina entre boleros, baladas e canções. Em 1978, tornou-se a primeira cantora brasileira a superar 1 milhão de cópias vendidas de um mesmo álbum: Álibi.