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Zé Ketti, Paulinho da Viola, Francis Hime, Chico Buarque entre outros grandes nomes da música nacional
Fotografia marco da MPB, registrada em 1965 na casa de Vinícius de Moraes, a imagem reúne Zé Ketti, Paulinho da Viola, Francis Hime, Chico Buarque entre outros grandes nomes da música nacional

Da MPM à MPB

Foi na segunda metade da década de 1960 que se edificaram os alicerces daquilo que passaríamos a conhecer como MPB, ou Música Popular Brasileira. É evidente que todos os estilos anteriores, do samba à bossa nova, do forró ao baião, da marcha à modinha, também devem ser considerados formas diversas de música popular brasileira. Mas foi a partir desse mesmo período, caracterizado pela profusão de festivais e pela sucessão de movimentos, que a sigla MPB adquiriu significado, absorvendo sob seu guarda-chuva uma variedade enorme de ritmos e subgêneros.

Herdeira de uma tradição que começou justamente com a bossa nova, a MPB precisou percorrer todo o périplo de movimentos e momentos musicais dessa época, incorporando lampejos diversos da ideologia e da estética de cada um, para se firmar como marca. Uma marca surpreendentemente coerente, por mais diversa que seja, onipresente e ubíqua como nenhuma outra.

A primeira versão da MPB foi a MPM, sigla de Música Popular Moderna, usada pela primeira vez em 1965, para identificar canções que pareciam representar um gênero impreciso. Um gênero que, embora não rompesse com a bossa nova, já não se alinhava com os dogmas sagrados da música feita por João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Uma música nova, moderna como explicitava a sigla, que não era samba nem moda ou marchinha, mas parecia aproveitar ao mesmo tempo a suavidade do repertório da bossa nova, o carisma das tradições regionais e o cosmopolitismo de canções americanas, desembarcadas no Brasil por meio dos filmes de Hollywood.

Um dos primeiros exemplos de canções rotuladas como MPM foi “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, já em 1965, ano em que venceu o 1º Festival da Excelsior. Quando Chico Buarque despontou com o samba “Pedro Pedreiro”, em 1966, tascaram-lhe também o selo de MPM: aquilo já não era bossa nova, mas também não era jovem guarda, nem música de protesto.

Naquele mesmo ano, quando um conjunto vocal de Niterói, conhecido como Quarteto do CPC, escolheu o nome MPB 4 para dar seguimento à carreira após a extinção dos CPCs, o colunista Sérgio Porto, conhecido pelo pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, escreveu que o nome parecia prefixo de trem da Central do Brasil. Ou seja: o MPB 4 precedeu a MPB.

Aos poucos, na virada da década de 1960 para a de 1970, a MPM foi desaparecendo e cedendo espaço para a MPB. O conjunto de autores e cantores adeptos desse filão era cada vez maior, incorporava as grandes revelações dos festivais e também compositores de música de protesto. Vale lembrar que tanto nos festivais quanto na música de protesto os gêneros eram variados e, não era raro, misturavam-se e combinavam-se.

As múltiplas possibilidades de associação e de inspiração promoveram um caldeirão rítmico sem precedentes na década de 1970, transformando a MPB num rótulo hegemônico. Artistas plurais, como Elis, Chico ou Caetano, já não precisavam se alinhar com um único movimento, acostumando-se a misturar tendências e estilos num mesmo disco. Virou praxe nos álbuns da MPB a primeira faixa ser um samba, a segunda uma toada romântica e alienada, a terceira uma canção de protesto em ritmo de marujada, e assim por diante.

Agora, quem fazia bossa nova também podia se aventurar no iê-iê-iê, na Tropicália, no samba, na canção engajada, no rock, na música regional. Punha-se berimbau numa música, guitarra na outra, sanfona na terceira, e estava tudo lindo, tudo certo como dois e dois são cinco. Tomando-se como exemplos os dois discos lançados por Elis entre 1976 e 1977, nota-se uma versatilidade musical tão intensa que apenas o rótulo de MPB seria capaz de defini-los. Nesses trabalhos, a cantora registrou o rock “Velha Roupa Colorida”, de Belchior, os boleros “Fascinação”, de Lousada, e “Tatuagem”, de Chico, a canção de protesto chilena “Gracias a la Vida”, de Violeta Parra, e ainda emplacou a caipira “Romaria”, de Renato Teixeira.

Além de Elis Regina, também bastante identificada com a Era dos Festivais, surgem como representantes importantes dessa MPB avessa a rótulos alguns artistas menos lembrados como signatários de movimentos específicos do que pela amplitude de sua obra. Maria Bethânia talvez seja a maior representante dessa independência musical. Alheia a movimentos, nem mesmo ao tropicalismo, liderado pelo irmão mais velho, Bethânia aceitou se vincular.

Outros fenômenos da MPB foram os cearenses Belchior e Fagner, os Novos Baianos, Gonzaguinha, Ivan Lins. Também o competente Milton Nascimento, em especial em sua fase pós-Clube da Esquina, que, por sua complexidade sonora, transitando com desenvoltura entre o rock, a música regional e a nova canção latina, não poderia ser compreendido de outra forma senão como um conjunto de MPB.

Importante lembrar que a música popular brasileira, ao longo de todos esses anos, fez muito mais do que entreter ou embalar o cotidiano dos brasileiros. As músicas estiveram enraizadas em cada conflito, em cada tensão social, em cada momento histórico, cantadas nas ruas, assoviadas nas praças, sussurradas nas catacumbas, publicadas em jornais da resistência. “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores” virou hino da geração de 1968. Tanto o título da canção “Apesar de você” quanto seu verso “Amanhã será outro dia” aparecem gravados em faixas empunhadas em passeatas no início dos anos 1970.

“Cálice”, vetada em 1973, ainda na condição de obra inédita, teve sua letra divulgada na mesma semana no Jornal da Tarde e em jornais universitários, sendo exibida publicamente num show de Gilberto Gil, na USP, num gesto de desobediência civil, apenas duas semanas após o assassinato do estudante Alexandre Vannucchi Leme nos porões do DOI-Codi. Anos antes, em 1968, a morte de Edson Luís no restaurante universitário do Calabouço, um centro de convivência estudantil carioca, já havia inspirado Sérgio Ricardo a compor “Calabouço”.

Em “O bêbado e a equilibrista”, João Bosco e Aldir Blanc não apenas homenageavam Clarice, a viúva de Vladimir Herzog, morto pela repressão em 1975, como também clamavam pela anistia aos exilados, simbolizados na canção pela figura de Betinho, o “irmão do Henfil”. A canção tornou-se trilha sonora do desembarque de dezenas de pessoas nos aeroportos brasileiros no final de 1979. Da mesma maneira, “Menestrel das Alagoas” foi executada dezenas de vezes nos comícios por eleições diretas, e “Coração de Estudante” marcou a despedida de Tancredo Neves, o primeiro presidente civil eleito após 21 anos de ditadura militar, morto antes mesmo de tomar posse.

O que escutamos hoje, nas rádios e nos discos, livres de qualquer forma de censura ou coerção, é resultado do que foi escrito, tocado e gravado naqueles anos. Muitos foram presos e exilados em razão do que colocavam em suas músicas. Outros simplesmente deixaram de cantar, abandonando para sempre os palcos ou o país, como Vandré e Taiguara. Reunir momentos dessa história e fazer o registro desse repertório é parte da construção da memória, esse objetivo comum que nos é tão caro. Para que não se repita. E para que não se perca.

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