Comemoração do título de 1970
Comemoração do título de 1970

Libertação do embaixador, Marighella, seleção militarizada

Libertação do embaixador, Marighella, seleção militarizada

11. Embaixador foi libertado após um jogo no Maracanã

A resistência à ditadura também se misturou ao futebol de uma maneira particular. A multidão de torcedores que saía do Maracanã numa tarde de 1969 não sabia que ali estava acontecendo um capítulo importante desse período. Foi o sequestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick em setembro de 1969, mantido por 70 horas numa casa no Rio Comprido, no Rio de Janeiro, por militantes da Dissidência Comunista da Guanabara e da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Após a libertação de 15 presos políticos, o embaixador foi solto numa tarde de domingo, 7 de setembro de 1969. “Havia uma partida de futebol no Maracanã e era preciso alcançar exatamente a saída”, narra Fernando Gabeira no livro “O que é isso, companheiro?”. No Maracanã, para um público de 30 mil pessoas, o Cruzeiro vencia o Fluminense de Telê Santana em jogo da Taça de Prata, com dois gols de Tostão e um de Dirceu Lopes. Na dispersão da torcida, os militantes envolvidos no sequestro libertaram o embaixador e escaparam entre a multidão. No filme inspirado no livro, a cena é reproduzida com um Flamengo e Vasco.

12. Morte de Marighella foi anunciada num Corinthians X Santos

No dia 4 de novembro de 1969, o Corinthians recebia o Santos, de Pelé, no Pacaembu, em jogo válido pela Taça de Prata. A goleada de 4 a 1 viria em gols de Ivair, Suingue e Rivellino, duas vezes. No intervalo da partida, pelo sistema de som do estádio, o locutor anunciava: “Foi morto pela polícia o terrorista Carlos Marighella”. A pouco mais de dois quilômetros do Pacaembu, na Alameda Casa Branca, Marighella, que em São Paulo havia adotado o Corinthians como time de sua preferência, havia sido morto numa emboscada preparada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.

No livro “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”, o jornalista Mário Margalhães relata que antes de a bola rolar no Pacaembu a execução de Marighella já havia sido consumada. No entanto, Fleury só liberaria a área para os fotógrafos – muitos dos quais saíram do Pacaembu para registrar o caso – mais de 90 minutos depois. Tempo necessário para preparar a cena e justificar os ferimentos de dois policiais e a morte de um homem que passava de automóvel, além da execução de um Marighella totalmente desarmado.

13. O vexame na Copa de 1966 vira tema para a inteligência nacional

A campanha do Brasil na Copa do Mundo de 1966 não foi bem aceita pelos militares. A seleção teve uma preparação tumultuada, que acabou se refletindo em campo: eliminação na primeira fase, naquela que é ainda hoje a pior campanha da equipe nacional em mundiais. Logo na volta ao Brasil, a delegação foi escoltada pelo Serviço Nacional de Informações (SNI). Meses depois, foi criada a Comissão Selecionadora Nacional, que passaria a analisar a organização da Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Além disso, o técnico Vicente Feola disse que sofreu pressões externas para escalar o time no jogo decisivo contra Portugal. 

14. Festa oficial para o milésimo gol de Pelé

Após marcar de pênalti o milésimo gol da carreira, no dia 19 de novembro de 1969, no Maracanã, Pelé foi recebido com honras de Estado em Brasília pelo presidente Médici. O jogador foi premiado com uma medalha de mérito nacional e recebeu o título de comendador, desfilou em carro aberto pelas ruas de Brasília e ainda virou selo comemorativo.

15. A “militarização” da seleção brasileira em 1970

Após o fracasso da seleção brasileira na Copa de 1966, na Inglaterra, o governo militar decidiu imprimir no escrete canarinho o modelo de organização e disciplina que desejava para o Brasil. Pressionado pelo governo e pela oposição na Confederação Brasileira de Desportos (CBD), o presidente João Havelange passou a nomear militares para postos-chave dentro da seleção. Em 1968, a preparação física passou a ser comandada por Admildo Chirol, formado na Escola de Educação Física do Exército, auxiliado por Cláudio Coutinho e Carlos Alberto Parreira, que também tinham histórico na instituição militar. O tenente Raul Carlesso era encarregado de preparar os goleiros. Já o cargo de supervisor ficava por conta do capitão José Bonetti.

Apesar disso, João Saldanha, conhecido por suas ligações com o Partido Comunista, assumiu o comando técnico no lugar de Vicente Feola, mas não duraria até a Copa de 1970. Para o Mundial no México, o major-brigadeiro Jerônimo Bastos foi nomeado chefe da delegação, enquanto o chefe da segurança era o major Roberto Ipiranga Guaranys, que integra a lista de torturadores do regime. Era um modo de controlar eventuais arroubos subversivos dos jogadores e também de moldar o selecionado nacional à imagem e semelhança da ditadura militar.

16. O sequestro que “abalou” a seleção no México

A Copa de 1970 aconteceu num momento de tensão política, com luta armada entre os militares e as guerrilhas de esquerda. Durante a competição, o embaixador alemão Ehenfried von Holleben foi sequestrado. E o regime tentou envolver a seleção no entrave, dizendo que a ação dos esquerdistas causou preocupação nos jogadores, podendo até mesmo atrapalhar os jogos. Era uma maneira de colocar a opinião pública contra as ações armadas.

17. Médici “convocou” Dadá, mas também tirou Toninho

O pedido de convocação de Dadá Maravilha pelo presidente Médici é fato público. Entretanto, tempos depois, Toninho Guerreiro acusou o militar de também ter sido responsável por seu corte às vésperas da Copa de 1970. “Os médicos da seleção arrumaram uma sinusite para justificar minha exclusão”, disse em 1987. Inclusive João Saldanha acusava o doutor Lídio Toledo, médico da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), de ter se omitido na ocasião do corte, deixando para o próprio treinador tomar a decisão sem nenhum embasamento clínico. Fora do Mundial, Toninho seguiu em boa fase no São Paulo, mas nunca aceitou a exclusão, tendo problemas com o álcool.

18. Havelange foi convocado a depor

Presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) entre 1956 a 1974, João Havelange inicialmente não era um nome do agrado dos militares. Ele chegou a prestar depoimentos em Inquéritos Policiais Militares (IPM) instaurados para investigar supostas irregularidades na entidade. Segundo o historiador Carlos Eduardo Sarmento, autor de “A regra do jogo: uma história institucional da CBF”, em depoimento ao documentário Memórias do Chumbo, o que incomodava os militares era uma relação familiar de Havelange com o ex-presidente Juscelino Kubitschek. A maneira como Havelange evitou maiores problemas é sempre contada para explicar sua habilidade para se relacionar com o poder: em vez de levar um advogado, ele foi acompanhado de um amigo que era general.

19. Saldanha diz que Médici é “gente do futebol”

Uma das teorias sobre a saída de João Saldanha da seleção está relacionada às pressões do presidente Médici, especialmente diante dos pedidos de convocação de Dario, aos quais o técnico respondeu: “Eu e o presidente temos muitas coisas em comum. Somos gaúchos, gremistas, gostamos de futebol, e nem eu escalo o ministério, nem o presidente escala o time”. Entretanto, na revista Placar de 27 de março de 1970, o “João Sem Medo” escreveu uma carta aberta relacionando as razões de sua demissão. E não demonstra uma rusga tão grande assim com o presidente: “O senhor é um torcedor apaixonado pelo futebol. Isso é uma maravilha. O Brasil precisava há muito de um presidente que goste de futebol, verdadeiramente, como o senhor gosta. O senhor é homem de vestiário. Seu irmão foi um jogador muito bom. Então o senhor é gente do futebol”.

20. As primeiras medidas presidenciais após o tricampeonato

Para exaltar a “festa popular” depois da conquista do tricampeonato em 1970, o governo abriu o espaço do Palácio do Planalto para que o prédio público fosse ocupado pelo povo. Além disso, o primeiro a falar com os jogadores após a decisão contra a Itália foi o presidente Médici, que conversou com Pelé, Carlos Alberto, Rivellino, Gérson e outros jogadores. Segundo Pelé, a ligação não estava boa, havia muito barulho, a voz desaparecia e voltava: “Para nós, era uma grande honra falar com o presidente, sentíamos a sua emoção, que não era menor que a nossa”.