Médici e Pelé na cerimônia comemorativa do título mundial de 1970 em Brasília.
Médici e Pelé na cerimônia comemorativa do título mundial de 1970 em Brasília.

Pelé, Copa do México, “Pra frente, Brasil”

Pelé, Copa do México, “Pra frente, Brasil”

21. As duas faces de Pelé em relação à ditadura

Pelé não estava mais atuando em alto nível em 1974. Mesmo assim, havia espaço para o camisa 10 no time que pouco empolgou no Mundial da Alemanha. O motivo da ausência? Segundo o craque, em entrevista dada ao UOL em 2013, foi um boicote: “Pediram para eu voltar para seleção, eu não voltei. A filha do Geisel veio falar comigo, para eu voltar e jogar a Copa de 74. Por um único motivo não aceitei: estava infeliz com a situação da ditadura no país. Estava preocupado com o momento. Em apoio ao país, eu recusei, pois estava muito bem e poderia jogar em alto nível”. Uma posição bastante diferente da que tinha em 1972, quando falou ao jornal uruguaio La Opinión: “Não há ditadura no Brasil. O Brasil é um país liberal, uma terra de felicidade. Somos um povo livre. Nossos dirigentes sabem o que é melhor para nós e nos governam com tolerância e patriotismo”.

22. Brasil: ame-o ou seque-o

Muitos militantes políticos que se entregaram à luta armada para combater a ditadura militar enfrentaram um dilema: torcer ou secar a seleção brasileira de Pelé, Tostão, Rivellino e companhia na Copa do Mundo do México? Não era fácil. Afinal de contas, um triunfo no futebol representaria um triunfo do regime militar. Mas era difícil segurar a paixão de torcedor.

O escritor gaúcho Aldyr Garcia Schlee, criador do uniforme verde e amarelo da seleção, conta uma história saborosa. No Rio de Janeiro, foi convidado por um amigo jornalista a assistir pela TV a partida do Brasil contra a Inglaterra, ao lado de “três representantes da alta cúpula do PCB [Partido Comunista Brasileiro]”. O combinado é que ninguém torceria pela seleção. “Quando Jair fez o gol, Osmar puxou o revólver e descarregou na rua. E gritou: ‘Puta merda, como é bom ser brasileiro’”, contou Schlee à Folha de São Paulo.

O capitão Carlos Alberto Torres levante a taça de Campeão do Mundo em 1970
O capitão Carlos Alberto Torres levante a taça de Campeão do Mundo em 1970

23. “Pra frente Brasil” e o ufanismo propagandeado com a seleção

A propaganda oficial do regime lançou mão de vários recursos para tentar legitimar a imposição unilateral de poder à população brasileira. Utilizou o cinema, o rádio, os jornais e também a censura a quem quisesse contrariar as mensagens positivas sobre o governo. E nenhum desses meios esteve tão colado ao futebol quanto as músicas nacionalistas. “Pra Frente Brasil” se tornou um hino da seleção na conquista da Copa de 1970. Autor da canção, Miguel Gustavo teria pedido à Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp), organismo responsável por elaborar a propaganda da ditadura, que divulgasse sua peça. E a instituição aproveitou bem a oportunidade, transformando a música em símbolo do ufanismo e do milagre econômico exaltado pelo governo de Médici.

24. A ligação anônima que garantiu Tostão na Copa

Tostão era um dos destaques da seleção em 1970. Mas só se garantiu na Copa do Mundo após sofrer uma intimidação. Meses antes da convocação final, o atacante concedeu uma entrevista ao Pasquim com declarações mal vistas pelo regime, incluindo elogios a Dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e considerado um inimigo da ditadura. Depois disso, o craque recebeu uma ligação pedindo para que não tocasse mais no assunto se quisesse disputar o Mundial. Sua vontade prevaleceu, mas ele não se calou completamente após a conquista.

25. Roberto Mendes: jogador, técnico e deputado da oposição em Alagoas

Roberto Mendes foi destaque do Centro Sportivo Alagoano (CSA) no início dos anos 1960. Na mesma década, teve de assumir a função de treinador/jogador por dois anos, até que contratassem outro profissional. Sob seu comando, o CSA foi bicampeão estadual em 1965 e 1966. Sua família foi perseguida pela ditadura e teve dois irmãos mortos em emboscada, com sua mãe escapando por pouco de um atentado.

Em meio a toda essa efervescência política, tornou-se deputado estadual pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o partido de oposição à Aliança Renovadora Nacional (Arena) e, consequentemente, ao regime. Mandato cassado e direitos políticos suspensos, Roberto Mendes relembra que sua permanência em Alagoas se tornou inviável. “Nesse período, foram organizadas algumas tramas para acabar com minha vida”, revela. Exilou-se em 1969 e só retornou em 1982, com o enfraquecimento da ditadura e a anistia dos presos e perseguidos políticos. Foi vice-presidente de futebol do CSA no tetracampeonato alagoano de 1996 a 1999 e no vice da Conmebol, também em 1999.

26. Chefão do governo americano em jogo da seleção

Henry Kissinger é um personagem bastante controverso. Ex-secretário de Estado americano, é considerado um dos principais mentores da Guerra Fria, ao mesmo tempo em que ganhou o Nobel da Paz por negociar o fim da Guerra do Vietnã. Mas, independente de suas idas e vindas, o político é reconhecido por sua paixão pelo futebol. E esteve ao lado do presidente Geisel nas arquibancadas do Estádio Emílio Garrastazu Médici, em Brasília, para assistir a uma pouco empolgante vitória da seleção brasileira contra a seleção brasiliense. A visita do então Secretário de Relações Exteriores dos EUA à capital federal, no entanto, se dava por motivos diplomáticos, para avaliar a situação dos direitos humanos no país.

27. Uma afronta bairrista à seleção brasileira

Após a conquista do tricampeonato mundial no México, a Confederação Brasileira de Desportos (CBD) decidiu organizar a Taça Independência, em comemoração aos 150 anos da independência brasileira. A não convocação do gaúcho Everaldo, lateral-esquerdo do Grêmio e titular da seleção no México, provocou uma ira coletiva no Rio Grande do Sul e incendiou o bairrismo gaúcho contra o técnico Zagallo e a seleção brasileira.

Num rompante, o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Rubens Hoffmeister, desafiou a seleção brasileira para um amistoso contra um selecionado de jogadores do Rio Grande do Sul. Na verdade, era um combinado de Grêmio e Inter, com quatro jogadores de outros estados e também três estrangeiros. No dia 17 de junho de 1972, o Beira-Rio recebeu o maior público de sua história: mais de 110 mil pessoas que vaiaram o Brasil durante 90 minutos. O jogo, uma verdadeira guerra, terminou em 3 a 3.

Os gaúchos se moveram mais por bairrismo do que por oposição à ditadura, mas aquele foi um momento raro de contestação da ordem nacional – tanto é que os gaúchos foram criticados por falta de patriotismo. “Num raro momento de união entre colorados e gremistas, fortalecia-se a identidade gaúcha, justamente quando a ditadura tratava de moldar um Brasil de fantasia, unido, próspero e feliz, muito bem representado pela seleção”, escreve o historiador Cesar Guazzelli, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

28. Saldanha denuncia ditadura na Europa

João Saldanha nunca fez questão de esconder sua ideologia. E, por isso mesmo, sempre se alimentaram suspeitas contra o técnico da seleção. Ele era acusado de enviar informações sobre a repressão para o exterior e chegou a ser chamado por autoridades do governo para conversar. Tempos depois, em entrevista à TV Record, Saldanha admitiu seus atos: “Porque eu já estava há um ano e pouco naquilo. Aí um amigo muito influente me deu uma lista de presos, desaparecidos, torturados e o diabo a quatro. Eu peguei a lista e corri a lista. Dei no Observer, no Le Monde, falei no rádio, em televisão na Europa, fiz o diabo com aquela lista”.

29. O exilado que virou jogador de futebol na Bolívia

Um dos maiores especialistas em cultura africana no Brasil, o professor, historiador e escritor Joel Rufino dos Santos estudava História na Universidade de São Paulo (USP) e tinha 23 anos quando estourou o golpe militar. Procurou refúgio na embaixada boliviana e rumou para La Paz, em exílio forçado. Para se sustentar na capital boliviana, apresentou-se no Municipal de La Paz e passou a jogar futebol por 100 dólares por semana. Já em 1981, durante a reabertura, publicou o livro “História política do futebol brasileiro”, relacionando diversos problemas do esporte a decisões da ditadura.

30. Afonsinho participa do movimento estudantil e se liberta do passe

Afonsinho foi um grande símbolo de rebeldia na ditadura. Tanto por sua figura, cabelos compridos e barba espessa, quanto por suas atitudes. Brigou intensamente pela liberdade de seu passe, num tempo em que os jogadores eram submissos aos seus clubes, e por isso mesmo sofreu represálias no Botafogo. Mas, ainda mais notável do que isso, era seu engajamento político. O meia conciliava o futebol com a faculdade de medicina e participou do movimento estudantil. Em fevereiro de 1968, chegou mesmo a estar na missa de Edson Luís de Lima Souto, estudante morto no Rio de Janeiro por policiais militares. Após o culto, as pessoas que saíam da Igreja da Candelária foram atacadas pela cavalaria da polícia. Uma série de protestos relacionados a isso se seguiu naqueles meses, culminando no auge da repressão com o decreto do Ato Institucional nº 5.

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