No Brasil, as Forças Armadas foram se firmando, intervindo na arena política por meio de golpes e contragolpes. Historicamente, essas intervenções que se propuseram a trazer estabilidade política trouxeram justamente o efeito contrário, dificultando a consolidação de um Estado democrático inclusivo, efetivamente republicano.
A chegada da República por meio de um golpe militar contra o governo imperial marcou e definiu, até então, a atribuição do Exército como garantidor dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, o que deve ser discutido e redimensionado para a consolidação da democracia brasileira.
Embora julgamentos por tentativa de golpe de Estado sejam raros, eles não são inéditos na história do Brasil. Houve ações judiciais nos casos de 1904, 1922, 1924 e 1959. No entanto, os golpes efetivamente consumados, como os de 1930, 1937 e, sobretudo, o de 1964, jamais foram judicializados. O que se observa é que apenas as tentativas frustradas foram alvo de responsabilização jurídica. Porém, mesmo nesses casos, os movimentos golpistas continuaram a se articular e, anos mais tarde, acabaram triunfando. Os levantes militares de 1922 e 1924 forneceram base política para a ruptura institucional de 1930. Além disso, muitos dos militares condenados por essas ações acabaram beneficiados por anistias — autoconcedidas ou formalmente articuladas — que lhes permitiram não apenas retornar às fileiras do Exército, como também atuar em novos episódios de ruptura, como no golpe de 1964.
A Lei da Anistia de 1979 teve papel central na transição da ditadura para a democracia. No entanto, seu caráter “geral e irrestrito” permitiu que militares envolvidos em violações de direitos humanos também fossem anistiados, criando uma cultura de impunidade e silêncio institucional, que só foi revista com a criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011.
A CNV representou uma ruptura no pacto do silêncio que perdurava desde a anistia, um instrumento de fortalecimento da democracia, no entanto, sem força jurídica real. Ela foi entendida por militares como uma ameaça à memória institucional da caserna, que a interpretaram como um ataque ideológico. Essa hostilidade abriu espaço para o discurso militarista e reacionário que ganhou força, com o destacado envolvimento político das Forças Armadas nos governos de Michel Temer (2016-2018) e de Jair Bolsonaro (2019-2022).Como consequência, temos atualmente o julgamento de mais uma tentativa de golpe de Estado, ocorrida em 8 de janeiro de 2023. A questão fundamental que agora está posta para a República brasileira é o fortalecimento e a consolidação da democracia para a prevenção e contenção de futuros novos golpes.
