UNE na clandestinidade
Em 1º de abril de 1964, já no dia do golpe civil-militar, a UNE foi atacada duramente. Sua sede, na Praia do Flamengo, foi criminosamente incendiada por grupos de extrema direita. Os militares logo mostraram sua indisposição com o movimento estudantil e editaram a Lei Suplicy de Lacerda, que colocou na ilegalidade a UNE e as Uniões Estaduais dos Estudantes (UEEs). Todas as entidades de representação estudantil ficaram submetidas ao regulamento do MEC. A UNE foi para a clandestinidade e alguns de seus diretores precisaram sair do país. Mas a luta continuou.
Em 1965, mesmo na ilegalidade, a UNE convocou uma greve que teve a adesão de mais de 7 mil alunos e paralisou a Universidade de São Paulo (USP). Realizaram-se passeatas nas principais capitais contra a Lei Suplicy de Lacerda, que foram duramente reprimidas. A extrema violência da tropa de choque em Belo Horizonte desencadeou passeatas em outros Estados. Os estudantes lançaram uma campanha contra os acordos MEC-Usaid que, sob influência dos EUA, previam a reforma universitária com a privatização das universidades.
A entidade máxima dos estudantes se reorganizou precariamente após o golpe de 1964 e fez seu 28º Congresso na clandestinidade, em junho de 1966, no porão de uma igreja em Belo Horizonte. Nele, o mineiro Jorge Luiz Guedes foi eleito presidente da UNE e no mesmo ano liderou a “setembrada”, uma série de protestos contra o ensino pago, por mais vagas nas universidades e contra a repressão.
Foi nesse momento que os estudantes entoaram pela primeira vez desde o golpe as palavras de ordem “abaixo a ditadura militar” em suas passeatas nas ruas do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Em resposta, cerca de 600 estudantes foram cercados pela polícia dentro do prédio da Faculdade de Medicina, na Guanabara. Os policiais invadiram o local e promoveram um espancamento generalizado, episódio que ficou conhecido como “Massacre da Praia Vermelha”.
Os estudantes não se intimidaram e realizaram o 29º Congresso da UNE, novamente na clandestinidade, em agosto de 1967, com o apoio de parte da igreja católica, num convento na cidade de Valinhos, em São Paulo. O paulista José Luís Travassos foi eleito presidente da entidade. O movimento estudantil se reorganizou nas universidades e nas escolas secundárias, em todo o país, constituindo-se como a principal força de oposição à ditadura militar.
Assassinato de Edson Luís
O ano de 1968 no Brasil ficou especialmente marcado por grandes manifestações de rua organizadas pelo movimento estudantil contra a ditadura, que se tornava cada vez mais truculenta na repressão aos estudantes e à sociedade em geral. Foi um ano de intensa ebulição social, liderada por esse movimento.
No dia 28 de março daquele ano, a morte de um jovem sacudiu o país. O secundarista Edson Luís foi assassinado a tiros pela PM durante uma passeata contra o fechamento do restaurante estudantil Calabouço, no centro do Rio de Janeiro. O corpo do jovem, ensanguentado, foi transportado por seus companheiros revoltados até a Assembleia Legislativa, onde ficou exposto. A cena de um jovem morto chocou e causou profunda comoção entre boa parte da população brasileira. Edson Luís, presente!
A cidade se inflamou. Seu cortejo fúnebre reuniu 50 mil pessoas indignadas. Passeatas se repetiram por várias outras cidades e a revolta se espalhou pelo país. Na missa de sétimo dia, a cavalaria da PM se abateu sobre as pessoas, aumentando a revolta. A partir de então, as manifestações de massa ganharam outra magnitude, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, onde a população começou a aderir às passeatas e aos confrontos com a polícia.
Os estudantes voltaram às ruas na Guanabara em junho de 1968. Povo sim, ditadura não, declaravam cartazes nos protestos. A brutal repressão da PM que se deu naquele dia escandalizou novamente parte da população, que se juntou aos manifestantes. O centro da cidade assistiu ao que foi talvez o maior combate de ruas de sua história. Durante cerca de seis horas, desenrolou-se o confronto que ficou conhecido como “Sexta-Feira Sangrenta”, com quatro mortos e muitos feridos, inclusive policiais.
Cinco dias depois a população retornou às ruas para realizar a maior manifestação de massas do período, a “Passeata dos Cem Mil”, em apoio aos estudantes e contra a repressão policial. A ela se seguiram outras no Brasil todo. Abaixo a repressão, diziam os manifestantes.
O famoso congresso de Ibiúna
Para o governo militar, essas manifestações eram muito ameaçadoras e foram terminantemente proibidas em julho de 1968. A tensão só aumentou. Em outubro, a polícia invadiu o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna, no interior de São Paulo, e prendeu 1.240 estudantes.
Clandestino, o congresso estudantil debatia como a ditadura deveria ser enfrentada. Duas grandes correntes se digladiavam: lutar junto com o movimento de massas, dando ênfase às formas pacíficas, ou aderir ao chamado da luta armada, já iniciada por muitas correntes de esquerda.
Os moradores de Ibiúna, cidade que à época tinha apenas 6 mil habitantes, começaram a desconfiar de jovens desconhecidos que iam ao centro comprar pão, carne, escovas e pasta de dentes. A polícia foi atrás do sítio e cercou os estudantes. Mais de duzentos policiais chegaram ao local e dispararam rajadas de metralhadora para o ar. Sem resistir, os militantes foram colocados em fila e levados em ônibus para presídios na capital e no interior.
Toda a liderança do movimento foi presa: José Dirceu, presidente da UEE, Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana de Estudantes, e Antônio Guilherme Ribeiro Ribas, presidente da União Paulista de Estudantes Secundários, entre outros. Posteriormente, numa reunião fechada, com representantes estudantis de todos os estados, foi eleito como presidente o carioca Jean Marc van der Weid.
“UNE somos nós, nossa força, nossa voz”. Sob esse lema, ações de solidariedade se deram em vários Estados. As reivindicações resultaram na liberação da maioria dos estudantes presos. Ao serem soltos, inúmeros aderiram às diversas organizações que estavam entrando no caminho da luta armada.
Batalha da Maria Antônia
O clima de agitação política e cultural era muito intenso, impulsionado pela situação política brasileira revoltante e por acontecimentos internacionais, como os de Maio de 1968 na França, que só animavam os jovens dispostos a reverter a ordem opressora.
A rua Maria Antônia, na região central de São Paulo, era conhecida como local de encontro dos jovens, sempre envolvidos em discussões políticas e culturais nos bares. Mas, em meio a esse clima de festa, uma tensão pairava no ar. Lá estavam localizadas a Faculdade de Filosofia da USP, cujos estudantes eram ligados à UNE, e a Universidade Presbiteriana Mackenzie, com integrantes do Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
Foi em outubro de 1968 que aconteceu a famosa batalha entre esses estudantes de posições ideológicas opostas. Os alunos da USP resolveram cobrar pedágio para custear o Congresso da UNE, o que irritou os do Mackenzie, que atiraram ovos. Os estudantes da USP revidaram, desencadeando uma verdadeira batalha campal. Esse confronto tomou uma dimensão maior, com direito a rojões, foguetes, coquetéis molotov e tiros.