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Repressão à comunidade queer na ditadura

Repressão à comunidade queer na ditadura

Entre os anos de 1950 e de 1960, os movimentos de contestação à ordem e aos “bons costumes” ganharam força, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, contudo, o período ficou assinalado pelo recrudescimento da ditadura civil-militar. Apesar de o discurso da liberação sexual ter repercutido no país, a intensa repressão aos movimentos sociais que contestavam o regime ditatorial, especialmente após o AI-5 em 1968, freou as possibilidades de organização das pessoas LGBT+ de reivindicarem os seus direitos.

A comunidade queer brasileira manteve seus locais de sociabilidade em guetos. Longe de poderem se organizar como movimento político, os homossexuais encontravam-se em casas noturnas, bailes de carnaval ou em fã clubes de artistas, em que se sentiam mais à vontade para afirmar sua identidade. Aos poucos, foram se ampliando os espaço de sociabilidade e interação homossexual nas grandes cidades, que eram procurados por pessoas de todo o Brasil, em busca de anonimato e de encontros entre iguais.

Cresceu o número de espaços codificados, como bares, boates, saunas e espaços de “pegação”, em parques e praças durante esse período. Figuras artísticas públicas começaram a se destacar na mídia e no convívio social, mas eram quase sempre vistas como personalidades exóticas, caso do carnavalesco Clovis Bornay, do artista plástico Darcy Penteado, do costureiro Clodovil e do cantor Ney Matogrosso.

O atraso na formação e consolidação das lutas contra o preconceito deve-se tanto à repressão do regime ditatorial quanto à ausência do debate sobre a questão entre os grupos de esquerda que combatiam a ditadura. A esquerda brasileira tradicional rejeitava organizações que se desviassem de sua prioridade e ampliassem a agenda de lutas para outras opressões, como era o caso do movimento feminista e do movimento de diversidade sexual e de gênero Mesmo as organizações e movimentos de esquerda, que se encontrava sob intensa repressão e violência e se colocavam explicitamente ao lado dos oprimidos, reproduziam o caldo cultural machista e homofóbico característico da maioria da população brasileira. Endossaram, em certa medida, o preconceito contra os homossexuais, institucionalizado como política de Estado na ditadura.

Por parte do Estado, a exigência de adequação do conjunto da sociedade ao padrão moral ultraconservador fez com que homossexuais fossem perseguidos, conforme apontam diversas pesquisas desenvolvidas por especialistas sobre o período ditatorial.

A discriminação sistemática estendeu-se também ao mundo do trabalho. Um exemplo foi a organização da chamada “Comissão de Investigação Sumária”, instalada em 1969 no Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty). Seu objetivo era a repressão a homossexuais, alcoólatras e a pessoas consideradas emocionalmente instáveis, dentro do Itamaraty.

Em 1969, após o AI-5, o órgão formulou uma lista que culminou com a cassação de 44 funcionários, a maior da história deste órgão, sob a acusação de afrontarem os valores do regime em suas condutas na vida privada. Dentre quinze pedidos de exoneração de diplomatas, sete tinham como justificativa a “prática de homossexualismo” e a “incontinência pública escandalosa”. Outros dez diplomatas suspeitos de tal prática deveriam passar por exames médicos e psiquiátricos e, caso ficassem comprovadas as acusações, eles também poderiam ser afastados.

Além desses fatos lamentáveis ocorridos em órgãos governamentais, homossexuais e travestis viviam em regime de terror, sendo frequentemente perseguidos e presos pelas polícias nas ruas. Entre os anos de 1975 e 1982, durante as administrações de Paulo Egydio Martins e Paulo Maluf, em São Paulo, as rondas policiais no centro da cidade eram destinadas especialmente à abordagem violenta e à prisão dessas pessoas pela suposta prática de vadiagem.

Famosos nessa época, o delegado José Wilson Richetti e seus policiais promoviam verdadeiros arrastões pelas ruas centrais. Estes resultaram em detenções violentas, justificadas por abaixo-assinados de comerciantes e trabalhadores da região, em prol da moralidade defendida pelo regime, muitas vezes incentivados pelo próprio delegado. Estima-se que durante os finais de semana, entre 300 e 500 pessoas eram detidas, arbitrariamente, por noite em São Paulo. Dentre estas, muitas eram extorquidas e algumas foram torturadas.

A censura moral às artes que simbolizavam as sexualidades dissidentes tornou-se, igualmente, uma marca da ditadura. Músicas foram vetadas por “divulgarem o homossexualismo”; publicações dirigidas ao público homossexual como o Lampião da Esquina tiveram sua circulação dificultada e foram monitoradas; peças de teatro foram impedidas de entrar em cartaz e muitos filmes foram retirados das salas de cinema por todo o país, sob a acusação de erotismo ou pornografia. A censura mais rigorosa ocorria na televisão, o meio de comunicação que mais massivamente atingia o público, pois os donos do poder temiam que a “propaganda” do “homossexualismo” e da pornografia pudesse corromper a juventude e os valores tradicionais da família brasileira.

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