Acervo Alice Oliveira

Em 1985, com a eleição indireta do primeiro presidente civil, após 21 anos de ditadura, o regime militar acabou para quem? Com este questionamento, Neon Cunha questiona os limites das rupturas institucionais entre ditaduras e democracias, sobretudo, a partir de suas experiências como uma mulher negra e transexual.
Se, por um lado, a passagem de uma ditadura para um regime democrático implica em rupturas como a garantia dos direitos fundamentais e do exercício da cidadania, por outro, práticas institucionais de violência, de repressão e de exclusão de alguns grupos sociais podem persistir, como é o caso, por exemplo, de pessoas dissidentes de gênero e sexualidade.
Este eixo mostra que a transição de uma ditadura para uma democracia é um processo complexo e multifacetado. No Brasil, a euforia da abertura política e da possibilidade de viver e articular de maneira mais livre as sexualidades e as identidades de gênero e a luta por direitos igualitários esbarraram na persistência da vigilância e da repressão policial, nos efeitos políticos, sociais e culturais do início da epidemia de HIV/Aids e na exclusão do processo da Constituinte da garantia de direitos específicos voltados para pessoas dissidentes de gênero e sexualidade.
Abertura política
A personagem Maria foi criada por Henrique Magalhães, em João Pessoa (PB), em 1975. Inicialmente publicada em tirinhas nos jornais locais, logo ganhou uma revista homônima na qual, por meio do seu humor ácido, compartilhou sua leitura de mundo sobre questões do cotidiano que marcaram o país entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Em 1984, foi lançado o álbum “Maria – A maior das subversões”, no qual Maria se assume lésbica, numa relação afetiva com sua amiga, Pombinha.
Henrique Magalhães. “Maria – A maior das subversivas”. João Pessoa, PB: Marca de Fantasia, 1984, p. 23 e 24.


Nascida no interior do Ceará, Miriam da Silva chegou em São Paulo (SP) em 1980, onde iniciou seu processo de transição de gênero e trabalhou na prostituição. Assista ao trecho do testemunho em que ela reflete sobre as contradições do processo de abertura política para as travestis. 30 de novembro de 2023. Coleção “Memórias à margem”. Miram da Silva. 30 de novembro de 2023. Acervo Bajubá e Memorial da Resistência de São Paulo.
Violência policial

O Departamento de Comunicação Social (DCS) foi criado em 1983, sucedendo parcialmente às funções do DEOPS-SP. Inserido em um decreto de reorganização das forças de inteligência da ditadura militar, era subordinado à Delegacia Geral de Polícia e atuava na coleta e análise de informações político-sociais, mas não produzia inquéritos. Em novembro de 1999, foi extinto após a imprensa denunciar que a Polícia Civil mantinha um arquivo secreto ao estilo do extinto DEOPS.
Epidemia de Hiv/Aids
Em 1985, Thais Azeveddo (1949-2024) trabalhava como vendedora e modelo quando recebeu o diagnóstico positivo para o vírus HIV. Ela então envolveu-se na luta contra a epidemia de HIV/Aids, tornando-se uma das referências do movimento social em São Paulo (SP). Assista ao trecho do testemunho em que ela narra como tornou-se uma das voluntárias da Casa de Apoio Brenda Lee, conhecido como “Palácio das Princesas”, espaço de assistência a pessoas pessoas que viviam com HIV/Aids, sobretudo travestis e mulheres transexuais. São Paulo. 20 de julho de 2022. Coleção “Memórias à margem”. Thais Azveddo. 20 de julho de 2022. Acervo Bajubá e Memorial da Resistência de São Paulo.

A trajetória na militância de Luciano Bezerra Vieira teve início na década de 1980, quando participou da construção do Movimento Homossexual da Paraíba. Em 1992, ao lado de outros ativistas, fundou em João Pessoa o Movimento do Espírito Lilás (MEL), com o objetivo de promover ações de prevenção ao HIV, oferecer apoio e orientação às pessoas afetadas pela Aids e lutar pelos direitos da população LGBTQIA+, pois surgiu como um grupo misto, em que gays, lésbicas e travestis participavam conjuntamente de suas atividades.


A cabelereira e líder religiosa Jacque Chanel, na década de 1990, atuou no Movimento Homossexual de Belém, realizando ações de prevenção nas casas noturnas da cidade, para enfrentar os efeitos da epidemia de HIV/Aids. Assista ao trecho do testemunho em que ela conta como articulava tais ações. Coleção “Memórias à margem”. Testemunho de Jacque Chanel. 08 de agosto de 2023. Acervo Bajubá e Memorial da Resistência de São Paulo.
Constituinte
Caso Luana Barbosa

Depoimento de Fernanda Gomes, cofundadora da Coletiva Luana Barbosa dos Reis (São Paulo), a respeito do caso.
Depoimento de Dina Alves, ativista e advogada da família de Luana Barbosa, a respeito do caso.
Democracia para quem?
Em 2016, a funcionára pública, publicitária e ativista independente da luta pelos direitos humanos, Neon Cunha, tornou-se a primeira pessoa no Brasil a ganhar na justiça o direito de retificação de gênero em seus documentos sem a necessidade de apresentar um laudo médico que atestasse a sua identidade de gênero. O seu caso abriu um precedente jurífico para que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse, dois anos depois, o direito à alteração de nome e gênero no registro civil sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de gênero e de processo judicial. Assista ao trecho do testemunho em que ela reflete sobre as continuidades da ditadura militar no regime democrático brasileiro. São Paulo. 27 de julho de 2022. Coleção “Memórias à margem”. Acervo Bajubá e Memorial da Resistência de São Paulo.
Acervo Alice Oliveira