Desde o início, os militares sinalizaram quem estava no comando. Foram eles que escolheram os ministros, entre os quais predominavam os fardados, com espaço modesto para os civis que participaram do golpe. Imediatamente foram revogadas as leis e os decretos de João Goulart, como a nacionalização das refinarias de petróleo, a desapropriação de terras para a reforma agrária e, um pouco depois, a lei que controlava a remessa de lucros das empresas estrangeiras.
Os investimentos estrangeiros que haviam sido negados no governo de Goulart retornaram e o Fundo Monetário Internacional (FMI) deu aval para o reescalonamento da dívida externa brasileira. A dupla de economistas conservadores, Roberto Campos e Gouveia de Bulhões, adotou políticas ortodoxas para combater a inflação, a partir de um forte arrocho dos salários e da revogação de conquistas trabalhistas, como a da estabilidade empregatícia. Até 1979, os salários sempre foram reajustados abaixo da inflação e somente a cada 12 meses.
Foi imposto um arrocho salarial ao mesmo tempo em que as entidades sindicais foram reprimidas: 452 sindicatos de trabalhadores sofreram intervenção, e em vários deles foram realizadas prisões. Os 17 dirigentes do Comando Geral de Trabalhadores (CGT), por exemplo, foram condenados a muitos anos de cadeia. Nos interrogatórios, já se adotava a tortura, conforme denúncia do advogado Sobral Pinto ao Superior Tribunal Militar.
A resistência popular ao golpe começou a se manifestar. Nas eleições de 1965, para governador em 11 estados, os candidatos do governo foram derrotados em cinco deles: Minas Gerais, Guanabara, Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Mato Grosso.
Em represália, o governo impôs um endurecimento, que resultou no Ato Institucional nº 2 (AI-2), de 27 de outubro de 1965. É anunciado no preâmbulo: “não se disse que a revolução foi, mas que é e continuará”.
O AI-2 determinou que a eleição presidencial passasse a ser indireta, extinguiu os partidos, reafirmou as cassações e a suspensão de direitos políticos, transferiu para a Justiça Militar os julgamentos de civis pela Lei de Segurança Nacional, ampliou os poderes arbitrários do presidente da República para impor estado de sítio e intervir nos estados. Também determinou a criação de apenas dois novos partidos: um de apoio ao governo, que seria a Aliança Renovadora Nacional (Arena), e o outro de oposição “responsável”, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
O Ato Institucional nº 3 (AI-3), de fevereiro de 1966, tornou indiretas também as eleições para governadores dos estados. Com cassações e pressões, o regime conseguiu criar um clima de constrangimento durante as eleições, e a Arena, o partido do governo, ampliou sua hegemonia nos estados, no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas. Na sucessão presidencial, o general Costa e Silva, após bem sucedidas articulações entre os militares, impôs sua candidatura e foi eleito pelo Congresso em 1966.
Outra decisão do governo foi a de revogar a Constituição de 1946. Castelo Branco decretou o Ato Institucional nº 4, pelo qual convocou extraordinariamente o Congresso, que estava em recesso, para aprovar o projeto da Nova Carta Constitucional.
Além disso, a “Constituição Liberticida”, como foi chamada por seu caráter autoritário, estabeleceu eleições indiretas para presidente e governadores e determinou que os governadores nomeassem os prefeitos das capitais. Os decretos-leis passaram a ter 60 dias para serem votados no Congresso. Vencido o prazo, eram considerados automaticamente aprovados. Ela incorporou a doutrina de segurança nacional: o Conselho de Segurança Nacional foi definido como instância máxima. Os poderes da União foram ampliados em detrimento de Estados e municípios.
Governo de Costa e Silva: fortalecimento da resistência e a radicalização da repressão
O general Costa e Silva tomou posse como presidente em março de 1967, no mesmo dia em que a nova constituição entrou em vigor, e prometia um regime mais “liberal” e “humano”. Uma revista chegou a anunciar o evento como “a posse da esperança”. Durante o governo Castelo Branco, muitos liberais que apoiaram o golpe tinham rompido com o regime assustados com as cassações, com os inquéritos policiais e com os Atos Institucionais.
Entre 1967 e 1968, a resistência à ditadura se ampliou muito, a começar pelo movimento estudantil, que foi engajando setores da classe média em manifestações de rua cada vez maiores. Os trabalhadores também articularam uma reação ao arrocho salarial, fazendo as greves de metalúrgicos em Contagem e Osasco. Elas foram fortemente reprimidas, com prisões seguidas da elaboração de listas para que quem tivesse participado não conseguisse mais emprego em nenhuma indústria. A retomada do crescimento econômico ainda não era percebida pela classe média e o país continuava a viver os efeitos da crise econômica.
Os estudantes se mobilizaram contra a ditadura por questões específicas: contra a privatização do ensino superior e pela ampliação de vagas nas universidades. Os secundaristas estavam tão mobilizados quanto os universitários.
No Rio de Janeiro, o assassinato do estudante Edson Luis pela polícia militar, em março de 1968, durante uma manifestação contra o fechamento de um restaurante estudantil, criou um clima de grande indignação. Cerca de 50 mil pessoas compareceram ao enterro do jovem. Na missa de sétimo dia, a PM atuou com grande truculência.
A violência policial contra populares e estudantes no Rio de Janeiro atingiu seu ápice no dia 21 de junho de 1968, chamado de “sexta-feira sangrenta”, com dezenas de feridos e quatro mortos. Em resposta, a Passeata dos Cem Mil, que ocorreu dias depois, foi a maior manifestação de massa do período, e causou tanta repercussão que levou o governo a negociar com os estudantes, mas sem acordo. Em julho daquele ano, as manifestações de rua foram proibidas pelo ministro da Justiça.
Ao mesmo tempo em que a repressão inviabilizava as ações pacíficas, surgiam as primeiras ações armadas de guerrilha. No dia 7 de março de 1968, um comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) promoveu o primeiro de uma série de 370 assaltos a banco que seriam feitos pelos vários grupos de guerrilha urbana, até 1970. O segundo assalto foi um mês depois, promovido pela recém-formada Ação de Libertação Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella. Daí se seguiram as ações em série.
No decorrer de 1968, as ações da guerrilha urbana, cada vez mais frequentes, tensionavam os governantes e seus apoiadores. De início, o aparato policial estava despreparado para fazer frente a essas ações, mas logo se articulou e a repressão se instaurou. Em 12 de outubro de 1968, a polícia prendeu cerca de mil estudantes, participantes de um Congresso da UNE, em Ibiúna, no interior de São Paulo. Toda a liderança estudantil foi presa e fichada pelo DOPS e os líderes mais conhecidos foram mantidos na cadeia. Foi uma ação muito significativa, pois permitiu a identificação de um grande número de futuros guerrilheiros. Conhecidos e perseguidos pela repressão, muitos desses jovens apressaram sua entrada nas organizações de luta armada.
Três fatos em particular causaram grande tensão na tropa que pressionava o governo: a manifestação de 1º de maio na Praça da Sé, em São Paulo, em que o governador Abreu Sodré foi expulso do palanque a pedradas; a bomba lançada por um comando da VPR contra um quartel do Exército, em julho de 1968, que provocou a morte de um soldado; e o discurso do deputado Márcio Moreira Alves na Câmara dos Deputados, propondo um boicote aos militares.
A resposta do governo foi decretar, no mesmo dia, o Ato Institucional nº 5 (AI-5), no dia 13 de dezembro de 1968, que consolidou a fase mais terrível do período ditatorial. A partir de então o presidente podia, sem qualquer limitação:
- Fechar o Congresso Nacional, as assembleias legislativas e as câmaras municipais;
- Cassar mandatos legislativos e executivos, federais, estaduais, municipais;
- Suspender direitos políticos;
- Demitir, remover, aposentar funcionários civis e militares;
- Demitir ou remover juízes;
- Decretar estado de sítio sem restrições;
- Confiscar bens para punir corrupção;
- Legislar por decreto, baixar atos institucionais e complementares.
Os acusados de crimes contra a segurança nacional perderam o direito a habeas corpus e passaram a ser julgados por tribunais militares, sem recurso. Para completar o quadro, os atos com base no próprio AI-5 não podiam ser objeto de apreciação do Judiciário.
Ainda no dia 13 de dezembro, o presidente fechou o Congresso por tempo indeterminado. As Forças Armadas e a polícia foram postas de prontidão. Havia medo de uma reação popular, por conta das passeatas recentes. Mas parte da esquerda mobilizada apostava em outro projeto: a luta armada.
No dia 30 de dezembro, saiu mais uma lista de cassados, entre eles os deputados federais Márcio Moreira Alves, Mário Covas e o líder da direita, Carlos Lacerda, adverso a Goulart e aliado dos militares que, vendo suas aspirações à presidência da República frustradas, havia passado para a oposição.
A ditadura alcançou a burocracia estatal em todos os níveis: as Forças Armadas, o Poder Judiciário, as universidades, os sindicatos, outras entidades de classe e as organizações estudantis. Prendeu milhares de pessoas, que foram processadas pela Comissão Geral de Investigações (CGI). Em consequência dessas prisões e processos, milhares de pessoas – militares, cientistas, professores, juízes, funcionários de empresas estatais e privadas, operários, marinheiros e portuários, jornalistas, artistas, intelectuais e lideranças sindicais – também perderam o emprego. Muitos foram proibidos de trabalhar em sua profissão.
Quanto à liberdade de expressão, desde o início o regime militar fechou dezenas de jornais da imprensa comunista, socialista, e de caráter operário e sindical. Provocou a venda e a descaracterização da rede de jornal nacionalista Última Hora, e constrangeu à falência o Correio da Manhã, jornal liberal e independente. Uma iniciativa arbitrária da ditadura foi a destruição do grupo econômico do empresário nacionalista Wallace Simonsen, que levou ao drástico fechamento da TV Excelsior, moderno canal de televisão de grande audiência no país, caracterizado por um jornalismo progressista.