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Posse do último presidente da Ditadura, João Batista Figueiredo
Posse do último presidente da Ditadura, João Batista Figueiredo. O governo de Figueiredo foi o último da Ditadura Militar e foi marcado pelas campanhas por Anistia e pelas Diretas Já, mas manteve a vigilância e a perseguição por parte dos órgãos de Estado.

A reabertura política – de 1979 a 1985

A reabertura política – de 1979 a 1985

O general Figueiredo tomou posse, anunciando o propósito de “fazer deste país uma democracia”. A “abertura”, seu projeto de governo, significava reduzir aos poucos os aspectos mais autoritários da ditadura e institucionalizar o regime, mas sem ceder o poder à oposição, nem absorver suas propostas. Ele controlou a situação aproveitando as divergências que iam surgindo.

Figueiredo despachando no Palácio do Planalto
Figueiredo despachando no Palácio do Planalto. O isolamento do presidente destacado na fotografia está presente em vários relatos sobre o último ditador.

A oposição cresceu. As greves operárias no ABC paulista se espalharam para outras cidades e categorias de trabalhadores, o movimento pela anistia ganhou corpo e foi às ruas. O Comitê Brasileiro pela Anistia formou núcleos em diversos estados e realizou manifestações. Em diversos países da Europa e da América, os exilados receberam apoio dos movimentos democráticos e formaram 19 comitês. Queriam uma anistia ampla, geral e irrestrita.

Figueiredo começou rejeitando a proposta de anistia, pois queria apenas a revisão de algumas penas. Entretanto, havia resistência no Congresso e suas propostas limitadas não avançavam. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se pronunciou pela anistia. Alguns presos políticos fizeram greve de fome em apoio à anistia. A linha dura militar, encastelada em seu sistema de informações e repressão, se opôs fervorosamente à ideia.

Anistia restrita e recíproca

O governo enviou ao Congresso um projeto de anistia restrita. A oposição apresentou um substitutivo de anistia ampla. Em 21 de agosto de 1979, com as galerias do Congresso lotadas, os debates se alongaram por horas. O projeto governamental foi aprovado por votação simbólica, depois que a emenda de Djalma Marinho, que ampliava a anistia do governo, tinha sido rejeitada por 206 contra 201 votos.

A luta pela anistia foi longa. A lei de 1979 não foi bem vista pelos militantes e familiares que exigiam uma anistia “ampla, geral e irrestrita”. Em 1968, algumas vozes falavam em anistia, mas naquele momento a esquerda tinha outra agenda: a luta armada. Depois da derrota das guerrilhas, o tema da anistia começou a tomar corpo entre os exilados brasileiros.

Ato pela anistia em São Paulo
Ato pela anistia em São Paulo. Aprovada em 1979, a Lei da Anistia foi um dos indicativos do processo de abertura da Ditadura.

Essa luta entrou para a agenda política efetivamente após 1975, com a criação do Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA), liderado por Therezinha Zerbini. Em 1978, surgiu o Comitê Brasileiro de Anistia (CBA), apontando para outro sentido. Enquanto o MFPA defendia a anistia como “reconciliação da família brasileira”, os CBAs, mais ligados à parte da militância de esquerda, defendiam essa medida como primeiro passo para a justiça e para a investigação das violações aos direitos humanos, cometidas pelo regime em nome do combate à subversão.

O presidente Figueiredo assiste os protestos da Novembrada
O presidente Figueiredo assiste os protestos da Novembrada. Em novembro de 1979 a população de Florianópolis foi às ruas protestar contra o regime e a homenagem programada para aquele dia.

Nos anos de 1978 e 1979, ocorreram vários comícios e manifestações públicas a favor da anistia. O tema foi incorporado pelo regime, mas apropriado de maneira diferente das demandas do movimento. No final, a anistia foi parcial e restrita e, ainda por cima, beneficiou torturadores, através do perdão aos crimes conexos praticados para combater os subversivos.

Ato pela anistia em São Paulo
Ato pela anistia em São Paulo

Ainda que limitada, a anistia permitiu que milhares de pessoas perseguidas ou com seus direitos políticos cassados recuperassem sua cidadania, e inúmeros de exilados começaram a voltar. Dos 200 presos políticos, 19 tiveram libertação instantânea. Os outros foram sendo libertados nos meses seguintes. A Justiça Militar elaborou uma lista oficial de 374 anistiados, entre eles o histórico líder comunista, Luís Carlos Prestes, o líder trabalhista, Leonel Brizola, e o ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes.

Imposta a um Congresso atemorizado sob o peso das leis da ditadura já decadente, a anistia foi cada vez mais considerada insuficiente pela sociedade, por ser recíproca e estabelecer que também os crimes cometidos pelos agentes do Estado nas ações de repressão fossem anistiados.

Passados mais de 30 anos do fim da ditadura, esse continua a ser um dos problemas políticos mais graves e um entrave ao processo de democratização do país. Encorajados pela impunidade dos torturadores do passado, na atualidade, agentes policiais continuam praticando a tortura de maneira generalizada em todo o país.

Reorganização partidária

O governo de Figueiredo enviou um projeto de reforma partidária ao Congresso em 1966, e foi aprovada em novembro de 1979, contra o voto do MDB. A intenção era dividir a oposição e ampliar a base de apoio do governo, conforme denunciavam os emedebistas. Arena e MDB foram extintos e surgiram seis novos partidos, dividindo a oposição.

O Partido Democrático Social (PDS) foi o herdeiro da Arena, e passou a ser o novo partido de apoio ao governo. Já o MDB deu origem ao PMDB, sem os chamados “moderados”, que compuseram o Partido Progressista (PP), com setores minoritários da Arena. O PP se dizia independente, mas disfarçadamente apoiava o regime.

O governo dificultou a Leonel Brizola a posse da sigla do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sua antiga legenda. Brizola fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT), procurando aglutinar as bases tradicionais trabalhistas e getulistas. Ainda banidos, o PCB e o PCdoB se juntaram ao PMDB.

Havia a proposta de criação de um partido de trabalhadores, tendo como base os operários do ABC, as comunidades eclesiais de base da Igreja católica, e organizações de esquerda de cunho trotskista, classista e afastada  de parte da esquerda existente anteriormente. Essa articulação se concretizou na formação do Partido dos Trabalhadores (PT), no início de 1980. Essa foi a mais importante novidade do novo cenário político, conforme o futuro confirmaria.

Reunião nacional do Partido dos Trabalhadores em razão de sua fundação em fevereiro de 1980
Reunião nacional do Partido dos Trabalhadores em razão de sua fundação em fevereiro de 1980

As greves operárias contestam a ditadura

A inflação chegava a 78% ao ano. Os metalúrgicos do ABC organizaram greves, de 1978 a 1980, sustentadas por assembleias com até 80 mil operários reunidos no Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo. Essas greves enfrentaram o poder e foram alvo de grande repressão.

A greve de 1980 se estendeu por mais 16 cidades do interior de São Paulo. O sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo foi alvo de intervenção, e 16 líderes da greve foram presos, inclusive o presidente do sindicato, Luiz Inácio Lula da Silva.

A greve terminou no dia 11 de abril, após 41 dias de paralisação, em meio a novas prisões e a uma maciça intervenção da polícia militar. Embora vencida, a greve contribuiu para comprometer o projeto de manutenção do poder da ditadura.

Recessão e divergências

Em 1982, a taxa de inflação foi a 99% ao ano. A economia entrou em recessão, a produção da indústria automobilística caiu 30% e milhares de trabalhadores foram demitidos. A dívida externa explodiu e os investimentos externos fugiram do país.

Setores militares que se opunham à política de abertura manifestaram seu inconformismo, promovendo uma escalada de ações terroristas. Jogaram bombas, fizeram sequestros, incendiaram bancas que vendiam jornais da imprensa alternativa. Uma carta-bomba enviada ao escritório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio Janeiro provocou a morte de uma funcionária, Lyda Monteiro, em agosto de 1980.

Machete sobre o Atentado do Riocentro no Jornal da Tarde
Machete sobre o Atentado do Riocentro no Jornal da Tarde do Estado de São Paulo.

Alguns meses depois, na noite de 30 de abril de 1981, duas bombas explodiram no Centro de Convenções Riocentro, no Rio de Janeiro, onde se realizava um evento de comemoração do 1º de maio, com a presença de cerca de 20 mil pessoas. Uma das bombas explodiu dentro de um automóvel ocupado por um capitão e um sargento do Exército. O segundo morreu no local e o primeiro ficou gravemente ferido. Outra atingiu a casa de força do edifício.

Diante da evidência de que o ato terrorista havia sido cometido por militares, instaurou-se uma crise política. O governo prometeu esclarecimentos e um inquérito foi aberto pelo Exército. O relatório final informou que os dois militares estavam a trabalho, no local de uma festa de comunistas, e foram vítimas de um atentado provocado por um grupo não identificado. O sargento foi sepultado com honras de herói militar.

Na época, houve contestação até mesmo no Superior Tribunal Militar (STM), mas o inquérito acabou arquivado. Embora o general Figueiredo tenha manifestado sua indignação com o acontecimento, documentos sigilosos do STM, divulgados posteriormente, indicam que ele e outros altos oficiais sabiam previamente do atentado.

As eleições de 1982: vitória da oposição

O governo legislou abundantemente, buscando desarticular a oposição: restabeleceu o voto direto para governador, proibindo coligações, obrigou o voto vinculado (em candidatos da mesma legenda) e o lançamento de chapas completas ao Executivo e ao Legislativo. Além disso, fez ser aprovada a Emenda Constitucional, que ampliou o número de deputados federais dos estados menos populosos onde seu partido, o PDS, tinha mais visibilidade.

Mesmo assim, não conseguiu impedir o plebiscito que a eleição assumiu entre PDS e PMDB. Este chegou ao governo em nove estados, inclusive os dois de maior eleitorado — São Paulo, com Franco Montoro, e Minas Gerais, com Tancredo Neves. No Rio de Janeiro, venceu Leonel Brizola, do PDT, alvo do sistema militar, o que causou uma ameaça de golpe. A oposição passou a governar na maior parte do país.

Brizola em campanha no Rio de Janeiro em 1982
Brizola em campanha no Rio de Janeiro em 1982

Diretas já!

Os governadores eleitos se defrontaram com recessão, inflação alta, dívida externa impagável, desemprego, greves de funcionários públicos e de operários, e não conseguiram atender às necessidades da população.

Um programa liderado pelo senador Teotônio Vilela defendia eleições diretas em 1984, assembleia constituinte, moratória da dívida externa, conversão da dívida interna em “bônus de guerra”.

Em junho de 1983, Ulysses Guimarães, líder do PMDB, se surpreendeu com o apoio a um ato em favor das diretas em Goiânia, quando 10 mil pessoas foram às ruas. Com isso, formou-se uma frente dos partidos de oposição pelas eleições diretas.

Em 27 de novembro de 1983, um comício convocado pelo PT em frente ao estádio do Pacaembu reuniu 15 mil pessoas. No dia seguinte, 10 governadores assinaram um manifesto propondo as diretas. Foi criado o slogan “Diretas já! Eu quero votar para presidente”, e a cor amarela foi adotada como símbolo. A campanha envolveu todos os grupos de oposição, incluindo dissidências do regime, angariando amplo apoio na sociedade civil, independente de filiações ideológicas.

Em 12 de janeiro de 1984, um comício em Curitiba reuniu 60 mil pessoas. No dia seguinte, em Porto Alegre, 10 participaram de uma passeata. No outro dia, num comício em Camboriú, em Santa Catarina, 15 mil veranistas estiveram presentes. No dia 25 daquele mês, aniversário de São Paulo, um comício na Praça da Sé reuniu uma multidão estimada em 250 mil pessoas. A Caravana das Diretas percorreu todas as capitais com agenda de comícios. O objetivo era aprovar a emenda apresentada pelo deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT).

A campanha crescia a cada dia. Em 10 de abril de 1984, um comício na Candelária, no Rio de Janeiro, atraiu uma multidão de 1,2 milhões de pessoas. Em 16 de abril, no Anhangabaú, estima-se em 1,5 milhões o número de participantes. Foram as maiores manifestações em massa da história do país. Em 18 de abril, Brasília amanheceu tomada por tropas do Exército, pois tinha sido decretado estado de emergência na capital.

Em 25 de abril, o Congresso votou a emenda constitucional das diretas, que conseguiu o apoio da maioria, com 298 votos, faltando 22 votos para alcançar dois terços do total, quórum necessário para aprovar uma emenda à Constituição.

Para as eleições indiretas, a oposição lançou a candidatura de Tancredo Neves, apoiado pelos 10 governadores oposicionistas. Na convenção do PDS, saiu vitorioso Paulo Maluf, ex-governador indireto de São Paulo, o que causou insatisfação no partido. Parte dos delegados optou pela candidatura de Tancredo, inclusive José Sarney, que viria a ser seu vice.

A campanha transcorreu em clima de tensão, com irritação dos militares, e ameaças de golpe que não se concretizaram. Até que, em novembro, os chefes militares concordaram que a sucessão se fizesse “de acordo com a lei”.

Na votação do Colégio Eleitoral, constituído pelo Congresso Nacional, Tancredo Neves derrotou Maluf com folga, por 480 votos a 180. No discurso da vitória, anunciou a Nova República, comprometendo-se a convocar a Assembleia Constituinte. Tancredo não chegou a tomar posse, pois adoeceu antes da cerimônia, falecendo em abril.

José Sarney no dia de sua posse
José Sarney no dia de sua posse

Em 15 de março de 1985, José Sarney, que seria então vice-presidente, compareceu à cerimônia de posse e assumiu a presidência. Revoltado com Sarney, a quem considerava um traidor, o general Figueiredo não lhe passou a faixa presidencial, saindo pela porta dos fundos do Palácio do Planalto.

Momento da posse de José Sarney no Congresso Nacional
Momento da posse de José Sarney no Congresso Nacional
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