A rigor, o movimento do Cinema Novo começou por volta de 1960, com os primeiros filmes de Glauber Rocha, Ruy Guerra e outros jovens cineastas engajados, e durou até 1967. Inspirados pelo neorrealismo italiano e pela Nouvelle Vague francesa, defendiam um cinema de autor, despojado, fora dos grandes estúdios, e com imagens e personagens o mais cotidianos possível, o movimento rapidamente ganhou fama internacional. Os principais nomes do movimento eram os “veteranos” Nelson Pereira dos Santos e Roberto Santos, que já faziam filmes desde os anos 1950, e os iniciantes Glauber Rocha, Arnaldo Jabor, Carlos Diegues, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, entre outros.
Entre 1960 e 1964, grandes filmes foram realizados em nome do movimento: Barravento (Glauber Rocha, 1960), sobre os pescadores do nordeste; Vidas Secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963), sobre o drama dos retirantes, baseado no livro de Graciliano Ramos; Os Fuzis (Ruy Guerra, 1964), sobre um grupo de soldados que deve proteger um armazém ameaçado por flagelados da seca nordestina; e o famoso Deus e o Diabo na Terra do Sol (Glauber Rocha, 1964), parábola sobre o processo de conscientização de um camponês que passa pelo messianismo, pelo cangaço e termina sozinho, desamparado, mas livre, correndo em direção a seu destino.
Como se pode perceber, o nordeste brasileiro e as favelas cariocas eram os temas preferidos desse tipo de cinema, o que nem sempre agradava o público de classe média, acostumado ao glamour hollywoodiano. Mas a intenção era precisamente chocar, não só o público médio brasileiro, mas também a visão dos estrangeiros sobre o nosso país. Em 1962, em plena efervescência do governo João Goulart e sua proposta de reformas de base, surgiu o nome de batismo do movimento: Cinema Novo.
Mas, justo quando os jovens cineastas viviam sua fase mais criativa, gravando o nome do Brasil na história do cinema mundial, veio o golpe de Estado. A equação fílmica dos caminhos históricos para se chegar à revolução socialista deu lugar à representação questionadora da derrota. O Cinema Novo mudou o foco de suas lentes, mas continuou a falar do Brasil. Depois de 1964, os camponeses explorados deram lugar aos intelectuais de esquerda frustrados por não conseguirem fazer a Revolução Brasileira.
O filme O Desafio (Paulo Cesar Sarraceni, 1965) foi a primeira resposta cinematográfica ao golpe de Estado. Ele narra as crises afetivas e políticas de dois personagens emblemáticos da juventude de esquerda brasileira, Marcelo e Ada. Ele, um intelectual de esquerda sem rumo, apaixonado por uma dona de casa burguesa, igualmente entediada com a vida familiar e com o país no qual vivia.
Como o Cinema Novo era feito por jovens intelectualizados e sua plateia também era formada por intelectuais, a atitude autocrítica da esquerda se radicalizou mais cedo. Isso ocorreu por meio de uma revisão da cultura nacional e de seu mito da aliança de classes para consolidar o nacionalismo econômico e as reformas políticas e sociais.
Nesse sentido, o filme Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967) foi a síntese mais radical dessa revisão, ao narrar as desventuras políticas e existenciais de Paulo. Um poeta e político de esquerda, em crise por perceber tardiamente que sempre havia servido a políticos traidores e oportunistas. As poderosas imagens alegóricas, os textos desencontrados, as idas e vindas no tempo cronológico, sem preocupação em contar uma trama realista e linear, compunham uma espécie de ópera barroca sobre o Brasil e seu abismo histórico. O último plano do filme é justamente o intelectual Paulo agonizando com uma metralhadora na mão, atirando a esmo. Imagem alegórica e premonitória dos anos de chumbo que estavam para chegar.