A violência contra o indígena no século XXI

A violência contra o indígena no século XXI

O ano de 2021 foi marcado pelo aprofundamento e pela dramática intensificação das violências e das violações contra os povos indígenas no Brasil. O aumento de invasões e ataques contra comunidades e lideranças indígenas e o acirramento de conflitos refletiram, nos territórios, o ambiente institucional de ofensiva contra os direitos constitucionais dos povos originários. É o que aponta o relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2021, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Houve aumento, pelo sexto ano consecutivo, dos casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”1

Esta é uma violência continuada e ininterrupta contra estes povos e que hoje se descortina com um novo ciclo de ataques. No final dos anos 1950 e início dos 1960, Darcy Ribeiro apontava a existência de pouco mais de 200 mil indígenas em algum tipo de relação com o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão oficial do governo federal, que em 1968 estimou essa população em menos de 100 mil pessoas. A história conta uma realidade aterradora e inegável: as sucessivas violências pelas quais passaram os povos indígenas quase ocasionou sua total extinção.  Pior ainda, a possibilidade de extinção serviu inclusive para justificativas de remoções forçadas durante a ditadura de 1964-1985, como o caso de vários povos transferidos para o parque do Xingu, que tiveram suas terras disponibilizadas para as políticas de desenvolvimento realizadas pelo Estado.

A política do Estado brasileiro sempre colocou sua ação indigenista subordinada aos interesses desenvolvimentistas e do capital, assim desta forma, entre o período Vargas até o escândalo do Relatório Figueiredo, o Ministério da Agricultura – que era responsável pelo processo de interiorização do Brasil e que cuidava das políticas realizadas pelo SPI – criou inúmeras situações de conflito de interesse no trato com a tutela – que justamente levaram aos fatos apresentados no Relatório Figueiredo.

Quando no final dos anos 60 se concluiu a proposta do Programa de Integração Nacional a cargo do Ministério do Interior, o SPI passou a ser objeto de sua competência, reeditando os conflitos de interesse sempre lesivos aos povos indígenas. O Ministério do Interior que cuidava da expansão territorial da fronteira agrícola e da interiorização do país, cujos projetos avançavam sobre as terras indígenas, tinha a missão de defendê-las e com o advento da redemocratização, o Ministério da Justiça assume o “cuidar do índio”, justamente num momento em que ocorre a judicialização da posse das terras, que passam a ser reclamadas na justiça brasileira, mediante o reconhecimento e fortalecimento das posses imemoriais reafirmada na Constituição de 1988 e o fim da tutela.

O Estado brasileiro ao longo de sua história, sempre colocou a política indigenista em órgãos onde o conflito de interesses sobre as terras e riquezas dos povos indígenas são geridos e ficam sob controle do ente que tem o papel de implementar as políticas que os agridem.

A situação dos povos indígenas hoje no Brasil é de cerco aos seus direitos constitucionais, culturais e territoriais. Os processos de violações de direitos tem se intensificado, visando o lucro com suas terras e com as riquezas que estas contém. Inúmeras são as denúncias de violências feitas por parte de lideranças indígenas e organizações de direitos humanos na imprensa alternativa, no Ministério Público Federal e também fora do país – na ONU, na Corte Interamericana de Direitos Humanos e em Conferências Internacionais. Os povos indígenas reagem a tanta manobra e cerceamento de direitos com retomadas de terras, fechamentos de estradas, ocupações de prédios públicos e manifestações em Brasília e em outros Estados.  É uma luta pela posse imemorial de suas terras, por saúde e educação diferenciadas, por respeito à cultura e à possibilidade de decisão das comunidades frente aos projetos de desenvolvimento.

Destacam-se, assim, a importância e a necessidade tanto da implementação das recomendações do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, como da difusão dos dados apresentados no projeto CACI, para se evitar que a relação do Estado brasileiro, subordinado aos interesses privados, venham a produzir a repetição destas histórias de tantos horrores.

  1. Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2021, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). ↩︎
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