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Registro da Guarda Rural Indígena presente no livro Os fuzis e as flechas
Registro da Guarda Rural Indígena presente no livro Os fuzis e as flechas, obra basilar sobre a história indígena durante a Ditadura

Violências contra os indígenas durante a ditadura

Violências contra os indígenas durante a ditadura

Após o golpe de 1964, um novo período econômico intensificou-se com construções de grandes obras que se espalharam por todas as regiões do país, e no caminho desses projetos inúmeros povos com suas terras, reconhecidas ou não, passaram a ser tratados como obstáculos para o desenvolvimento.

Em 1967, o governo militar criou a Fundação Nacional do Índio (Funai), como resposta ao escândalo de corrupção, esbulho de terra e renda, além de denúncias de violações de direitos humanos, envolvendo políticos, empresas e a participação de funcionários do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) fundado em 1910. Embora o discurso e os objetivos continuassem voltados para o protecionismo e a assistência aos povos originários, na prática, a política indigenista foi militarizada e tratada como questão de segurança nacional nos inúmeros conflitos que se acirraram pelo país.

A questão indígena em 1976, por exemplo, era caso a ser tratado diretamente na Presidência da República, momento em que o cacique Ajuricaba e o povo Waimiri-Atroari lutava contra a construção da BR-174 e os projetos do governo em suas terras na Amazônia.

Propaganda da construtora Andrade Gutierrez em 1971
Propaganda da construtora Andrade Gutierrez em 1971

A abertura da rodovia Transamazônica BR-230, planejada para cortar o Brasil transversalmente, da fronteira com o Peru até João Pessoa na Paraíba, afetou de maneira trágica 29 grupos indígenas, dentre eles, 11 etnias que viviam completamente isoladas.

Jamais foram devidamente apurados os crimes de tutela, que acontece quando o tutor responsável pelos bens e do cuidar dos tutelados atua contra seus interesses e muitas vezes associados a crimes de lesa-humanidade, como o caso de remoções forçadas, que existe em nosso ordenamento jurídico através de tratado internacional de 2007, mas também já internalizada em decreto de 1966, que são agravadas quando envolvem a cobiça por terras indígenas.

Projetos como a construção das hidrelétricas de Itaipu e de Tucuruí, no Rio Tocantins, e a criação do maior latifúndio do mundo no norte do Mato Grosso, em terra indígena Xavante, expulsaram centenas de comunidades e provocaram milhares de mortes nas aldeias.

A Transamazônica; a BR-174, que liga Manaus a Boa Vista; a BR-210, conhecida com Perimetral Norte e a BR 163, que liga Cuiabá a Santarém, são estradas que faziam parte do Plano de Integração Nacional (PIN), instituído em 1970, pelo presidente Emílio Garrastazu Médici. O PIN previa que 100 quilômetros em cada lado das estradas a serem construídas deveriam ser destinados à colonização. A intenção do governo era assentar cerca de 500 mil pessoas em agrovilas que seriam fundadas nesses locais, modelo logo em seguida preterido por outro que abriu estas áreas às grandes empresas de capital nacional e, sobretudo, internacional.

Documentos e relatos colhidos durante as investigações da Comissão Nacional da Verdade apontam mortos em conflitos e em remoções forçadas, crises de abastecimento, epidemias inoculadas propositalmente. Esse foi o caso no sul da Bahia – citado no Relatório Figueiredo – em que o próprio diretor do SPI estava envolvido no massacre dos Pataxós para a tomada de suas terras, produzido pela inoculação de varíola em seus membros, ou também trazidas pelos trabalhadores das frentes de atração ou os que vieram em consequência da construção das quatro rodovias acima mencionadas.

A imagem idílica descrita nos livros de história de povos guerreiros e saudáveis, aos poucos foi substituída pelas constantes denúncias sobre a grave situação dos sobreviventes deste ciclo de desenvolvimento, onde a situação do povo Nambikwara, Waimiri-Atroari e de outros povos foi objeto de condenação do país no II Tribunal Russell, realizado em 1975.

A construção de estradas e a exploração de minérios não vieram sozinhas. Nos anos de chumbo, a chegada dos colonizadores apoiados pelas políticas do regime militar, era acompanhada por ocupação irregular das terras indígenas, criação de parques ambientais onde as terras indígenas eram reivindicadas, e ação de grileiros (fraudadores de negócios imobiliários), garimpeiros e seringueiros.

Para os governos da ditadura, a realização das obras resolveria a questão indígena, integrando os povos à sociedade nacional. A política integracionista via na conversão do indígena em trabalhador um processo considerado “civilizatório” nos termos do regime. Em 1972, o superintendente da Funai na época, o general Ismarth de Araújo, explicou ao jornal O Estado de S. Paulo que “índio integrado é aquele que se converte em mão de obra” e que essa integração se daria de forma “lenta e harmoniosa”.

Em 1969 começou a funcionar no município de Resplendor (MG) o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um “centro de recuperação” mantido pela ditadura militar. Indígenas de todas as regiões do Brasil foram jogados em celas, acusados de “crimes”, como desacato ao chefe do posto, vadiagem, consumo de álcool e pederastia (homossexualidade masculina). No Reformatório do Krenak, os militares também forçaram a criação de milícias indígenas, as Guardas Rurais Indígenas (GRINs), treinadas para aplicar técnicas de tortura criadas pelo homem branco. Esse experimento sinistro do regime militar até hoje é cercado de mistérios.

Entre 1967 e 1968, o procurador da república Jader de Figueiredo Correia percorreu o país, presidindo a Comissão de Inquérito instaurada pelo extinto Ministério do Interior, para apurar denúncias de crimes cometidos contra a população indígena. Fruto dessa investigação, o Relatório Figueiredo apontou a existência de inúmeras cadeias clandestinas onde indígenas foram mortos, denunciando também desaparecimentos e torturas. O documento ainda descreve operações realizadas pelo Estado brasileiro que promoviam o extermínio de comunidades, o roubo da renda indígena mediante a negociação de suas riquezas e o uso de mão de obra indígena em condições de escravidão, além de ações para a tomada de suas terras.

Durante a ditadura, as comunidades indígenas encontraram entre os antropólogos, sertanistas e missionários ligados ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) seus principais apoiadores para resistir às violências e às ameaças cometidas pelo regime, pelos donos de terras, pelos colonos e trabalhadores do garimpo.

Reformatório Agrícola Indígena Krenak

O Reformatório Agrícola Indígena Krenak e Fazenda Guarani, foram dois centros de detenção de indígenas criados nas décadas de 1960 e 1970, que representaram apenas um dos aspectos do modelo de vigiar e punir imposto às aldeias nos anos de chumbo da ditadura. Nessa mesma época, a Ajudância Minas-Bahia da Funai também iniciou o treinamento das Guardas Rurais Indígenas (GRINs), em parceria com a Polícia Militar mineira. Elas eram, basicamente, milícias armadas com revólveres e cassetetes, integradas exclusivamente por indígenas, e responsáveis por ações de policiamento. Foram instaladas GRINs em Goiás, Mato Grosso, Maranhão e Minas Gerais. A criação das Guarda foi amparada por uma portaria da Funai de setembro de 1969. Cabiam aos policiais indígenas prerrogativas como impedir invasões de terras, o ingresso de pessoas não autorizadas e a exploração criminosa dos recursos naturais nas áreas indígenas. Além disso, as Guardas também eram responsáveis por “manter a ordem interna”, coibir o uso de bebidas alcoólicas, “salvo nos hotéis destinados aos turistas”, e evitar que os indígenas abandonassem suas áreas para “praticar assaltos e pilhagens nas povoações e propriedades rurais próximas”.

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