À medida que o regime se fechava, cada vez mais autoritário e violento, parte importante do grupo que produzia bossa nova engajada acabaria por inaugurar uma nova escola no cancioneiro geral: a da música de protesto. Esse filão, tão prolixo quanto necessário em tempos de censura e truculência, não chegou a constituir um ritmo ou um gênero musical, como a bossa nova e o iê-iê-iê.
Musicalmente, conciliava-se com ritmos já constituídos, localizados em diferentes bases, como o samba, a toada ou a marchinha. O fundamental era transmitir o recado. A música de protesto constituiu o primeiro movimento musical mais facilmente identificável pelas letras do que pelas harmonias. O que servia de espinha dorsal do movimento, ao redor da qual se acomodavam os artistas, era a oposição ao regime militar e aos seus desmandos.
Contribuíram para esse florescer de canções engajadas os sucessivos festivais da música popular promovidos primeiramente pela TV Excelsior e, em seguida, pela Record, em São Paulo, e pela Globo, no Rio. Foi nos festivais da música popular brasileira que muitas das canções de protesto foram exibidas pela primeira vez e alcançaram fama internacional.
Com a censura oficial imposta pelos militares, as gravadoras passaram a submeter à análise as partituras e as letras das composições previstas para os álbuns em produção. O passo seguinte foi exigir também o envio de fitas gravadas, uma vez que virou moda driblar a censura com jogos de palavras só perceptíveis em voz alta, conforme a interpretação do cantor.
Um exemplo é “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil, uma das mais famosas canções de protesto. Criada e proibida em março de 1973, ela seria lançada em disco apenas em 1978. Nela, o pulo do gato era transformar a palavra “cálice” em “cale-se”, algo que a letra impressa poderia disfarçar, mas a audição tornava evidente.
Em geral, a mensagem morava nas entrelinhas, e podia ser mais ou menos explícita conforme a intenção ou a experiência do autor. Em “Acorda Amor”, por exemplo, o aparente relato da prisão de um ladrão de galinha esconde a real intenção do compositor: descrever o momento em que um subversivo era raptado por agentes do Dops. “Se eu demorar uns meses/ convém às vezes/ você sofrer/ mas depois de um ano eu não vindo/ põe a roupa de domingo/ e pode me esquecer.” Essa passou. Já “Apesar de Você”, que simulava uma briga de casal para eternizar um desabafo contra a ditadura, foi vetada: “Como vai proibir/ quando o galo insistir/ em cantar?”.
Outra estratégia era assinar com um pseudônimo, para evitar o pente fino reservado aos compositores mais visados (Chico virou Julinho de Adelaide, o MPB 4 virou Coral Som Livre). Ou inserir as músicas com duplo sentido no meio do material encaminhado pela gravadora para ser usado nos discos de artistas bregas, românticos, alienados, que jamais deram motivo para preocupação. Nesses casos, era mais provável que o censor, inocente, fizesse vista grossa.
Foi cumprindo à risca essa estratégia, por exemplo, que Paulo César Pinheiro teve liberada “Pesadelo”, a mais descarada de todas as canções de protesto dos anos 1970, lançada em seguida pelo MPB 4: “Você corta um verso, eu escrevo outro/ você me prende vivo, eu escapo morto/ de repente, olha eu de novo/ perturbando a paz, exigindo troco…”.
Além de Chico, Gil, Paulo César Pinheiro e os cantores do MPB 4, foram também assíduos praticantes da música de protesto artistas como Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo, Gonzaguinha, Ivan Lins e Vítor Martins, Taiguara, João Bosco e Aldir Blanc, Milton Nascimento e Caetano Veloso, entre outros.