A história recente tem evidenciado que, a despeito do término de regimes autoritários, ditatoriais ou de guerras civis, as sociedades continuam enfrentando as heranças desses passados traumáticos. Essas experiências integram aquilo que o historiador francês Henry Rousso denominou “um passado que não passa”, expressão que busca evidenciar a persistência de questões não necessariamente superadas com o fim formal desses regimes, resultando em uma intersecção contínua entre passado e presente.
As décadas de 1980 e 1990 assistiram a transições políticas em que regimes autoritários começaram a se retirar do poder, sendo parte significativa desse processo conduzida de maneira pactuada, com a própria elite ditatorial liderando ou participando da transição democrática. Países do Cone Sul da América Latina, bem como da Europa Central e do Sul, oferecem exemplos históricos relevantes para a análise das distintas formas pelas quais essas transições ocorreram. Na Argentina, por exemplo, os militares deixaram o poder politicamente enfraquecidos em 1983, sendo posteriormente levados ao banco dos réus e responsabilizados pelas violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura; em Portugal, a Revolução dos Cravos derrubou o regime do Estado Novo, em 1974, mas não promoveu um processo de responsabilização; no Brasil, os militares, aliados a setores civis conservadores, conduziram uma transição pactuada, prolongada por cerca de uma década, que garantiu a impunidade por meio da aprovação da Lei de Anistia, em 1979, a qual ainda hoje impede a responsabilização criminal de agentes estatais envolvidos em violações de direitos humanos.

Independentemente da forma como tais regimes se encerraram, o renascimento das democracias nesses países foi marcado pelo debate acerca da necessidade de apuração dos crimes cometidos no passado e da adoção de medidas de reparação. Muitos desses Estados implementaram políticas voltadas à memória, à verdade e à justiça, com o intuito de fortalecer suas democracias e prevenir a repetição de tais crimes. Essas iniciativas compõem o que se convencionou chamar de Justiça de Transição, um conceito que, embora alvo de controvérsias, tem sido amplamente utilizado por estudiosos de diversas áreas para examinar como as democracias lidam com seus passados autoritários.