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Pichação Ditadura Assassina
Pichação registrada em fotografia durante manifestação contra a ditadura militar.

Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos

Após anos de luta e pressão dos familiares de mortos e desaparecidos e de vítimas das violências do Estado, com o paulatino amadurecimento político da sociedade em relação a essas pautas, foi criada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Um exemplo dessa luta e uma experiência que foi precursora da CEMDP e da CNV é o Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil (1964-1985). Esse dossiê chegou em 2009 à sua terceira versão revisada. A primeira versão foi produzida, ainda durante a ditadura, em 1979, por familiares de mortos e desaparecidos que organizaram informações que denunciavam as perseguições, assassinatos, torturas e outras violências praticadas pelo Estado no período. Em 1995, a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos realizou uma primeira revisão e ampliação do dossiê sistematizando pesquisas realizadas em arquivos de vários órgãos e instituições brasileiras. Essa versão relacionou 358 vítimas da ditadura, das quais 138 seriam desaparecidos políticos.

A CEMDP foi a primeira Comissão de Estado criada especificamente para lidar com os legados da ditadura. Criada em 1995, e instalada no dia 6 de janeiro de 1996, a CEMDP foi extinta a poucos dias do final do mandato do presidente Jair Bolsonaro, em dezembro de 2022. Era formada por um Conselho composto por 7 membros indicados pelo presidente:

  • Uma pessoa ligada aos familiares de mortos e desaparecidos;
  • Um membro do Ministério Público Federal (MPF);
  • Um integrante do Ministério da Defesa;
  • Um membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e
  • Três membros de livre indicação presidencial.

Os principais objetivos da CEMDP eram:

  1. Trabalhar pela localização e identificação de restos mortais dos desaparecidos políticos.
  2. Reconhecer os mortos e desaparecidos que foram vítimas da ditadura
  3. Realizar a reparação dos familiares dessas vítimas

Com vistas à realização do primeiro e do segundo objetivo, foi constituído o Grupo de Trabalho Perus (GTP). Além de articulações para a realização de políticas que promovam o direito à Memória e à Verdade, bem como o apoio ao comprimento do direito à Justiça e a efetivação das reformas institucionais, a CEMDP realizava a reparação material com pagamentos de indenizações.

Desde sua criação, 355 familiares foram indenizados de acordo com a legislação, somando um montante de quase 40 milhões de reais.

A CEMDP passou por duas fases desde sua criação. Na primeira fase, ocorreu a avaliação e julgamento dos processos de reconhecimento de assassinato e desaparecimento das 136 pessoas relacionadas no Anexo I da Lei 9.140 (lei que criou a CEMDP). Nesse momento ela também trabalhou para o reconhecimento de pessoas desaparecidas que não constavam no Anexo I. Foram apresentados 234 novos casos, dos quais apenas 148 foram deferidos, sendo comprovados como mortos e desaparecidos do período, enquanto outros 86 casos foram indeferidos. Com isso, contabilizando os novos casos com os já apontados no Anexo I, ocorreu a ampliação do número oficial de vítimas fatais da ditadura – de 136 para 284, ao final da primeira fase.

Com as Leis 10.536 (de 14 de agosto de 2002) e a 10.875 (de 1 de junho de 2004), a CEMDP entrou em uma nova fase, de ampliação do entendimento sobre o conceito legal de morto político. A Lei de 2002 ampliou o período de abrangência dos casos e reabriu o prazo para apresentação de requerimentos, ou seja, de pedidos de familiares por indenização e reconhecimento de uma pessoa como morta ou desaparecida. Já a de 2004 ampliava o escopo de vítimas que poderiam ser reconhecidas, passando, então, a serem incluídas vítimas de manifestações públicas ou de conflitos armados com agentes do poder público, e as vítimas que teriam se suicidado em decorrência de prisões ilegais e sequelas psicológicas resultantes de atos de tortura. Ao final dessa segunda fase, contando os casos revisados e os novos requerimentos aprovados, 362 pessoas foram reconhecidas como mortas e desaparecidas.

Apesar de prevista na Lei de 1995 a obrigação da CEMDP de localizar, buscar e identificar os restos mortais de desaparecidos políticos, somente depois de 2005 a comissão passou a se dedicar rigorosamente a essas incumbências. Com o debate em torno do PNDH-3 e dos eixos do direito à Memória e à Verdade, bem como com a criação da CNV, a CEMDP ganhou nova vida em seus trabalhos, inaugurando uma série de medidas, programas e trabalhos que serão mencionados abaixo. Ainda é fundamental mencionar que em 2007 a CEMDP lançou o primeiro livro-relatório, o “Direito à Memória e à Verdade”, no qual o Estado elabora uma versão oficial dos fatos nefastos que tiveram curso na ditadura civil-militar brasileira.

Claramente a CEMDP realizou um trabalho fundamental para deslindar a face mais perversa do regime político iniciado em 1964, pois foram feitos diversos esforços para descaracterizar e esvaziar suas incumbências. Após diversas mudanças internas realizadas pelo governo Bolsonaro, a Comissão foi finalmente extinta. O encerramento de seus trabalhos, feito às pressas, torna evidente a efetividade de seu papel em revelar os agentes da violência do Estado brasileiro.

Busca por Desaparecidos

É um dever legal do Estado brasileiro realizar todos os esforços na busca, localização e identificação dos mortos e desaparecidos políticos, bem como de entregar os restos mortais aos familiares desses. Assim o determinam o inciso II da Lei 9.140 e a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), de 24 de novembro de 2010, no Caso Julia Gomes Lund VS Brasil. A CNV estabeleceu o número de 434 vítimas do regime ditatorial brasileiro; destes, 191 como mortos, 210 desaparecidos e 33 corpos posteriormente localizados. O relatório final da CNV ainda aponta que é urgente a continuação da investigação do número de vítimas, e estima ainda que 1.196 camponeses e 8.300 indígenas seriam vítimas também da cruel e assassina ditadura brasileira. Existe a discussão sobre a necessidade de ampliar esse escopo de investigação, buscando inserir na categoria e na contagem das vítimas as populações de favelas e periferias, dado que o Estado brasileiro já possui muitas evidências de que essas pessoas também foram vitimadas pela violência do exército e das polícias na ditadura.

Duas frentes de trabalho da CEMDP se destacaram neste âmbito. A primeira delas foi a criação de um banco de material genético dos familiares de mortos e desaparecidos políticos. Uma iniciativa bastante delicada, incumbir o Estado de solicitar a doação de material genético desses familiares, no entanto, é uma tarefa fundamental para que restos mortais encontrados possam vir a ser identificados e devolvidos aos familiares. A segunda frente era a constituição de uma equipe e de um laboratório de Antropologia Forense para a formação de laudos alternativos e de uma perícia articulada de forma interdisciplinar e com maior autonomia.

Exemplo de resultados dessas frentes é a identificação de alguns  desaparecidos da vala de Perus, como Frederico Eduardo Mayr, Dênis Casemiro, Aluísio Palhano e Flávio de Carvalho Molina, e no caso do Araguaia, a identificação de Maria Lúcia Petit da Silva e Bergson Gurjão Farias. Casos como o desaparecimento de João Leonardo no sertão da Bahia, o de vários desaparecidos reclamados a CEMDP no Rio de Janeiro e o da chacina do Parque de Foz do Iguaçu apontavam para a necessidade da ampliação das frentes e grupos de trabalho da CEMDP, porém esses projetos foram paulatinamente desmantelados a partir de 2019, com o encerramento do grupo de trabalho de Perus e posteriormente, a extinção da Comissão.

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