O caso da vala clandestina do cemitério de Perus tem uma longa história. Construído na gestão do ex-prefeito Paulo Maluf, em 1971, o cemitério Dom Bosco recebia corpos de pessoas não identificadas, de indigentes e de vítimas da repressão política. Em 1973, a família de Iuri e Alex de Paula Xavier Pereira, na busca pelos restos mortais dos dois irmãos nos cemitério de São Paulo, descobre que Iuri havia sido enterrado naquele cemitério. Tempos depois, a família descobre que Alex também estava enterrado ali, mas registrado com seu codinome clandestino, João Maria de Freitas. Esta descoberta atiça a suspeita dos familiares, que começam a buscar de várias maneiras os restos mortais de seus entes queridos nos registros dos cemitérios e IMLs. A busca de anos culminou, em 1990, na descoberta do repórter Caco Barcellos, da Vala Clandestina de Perus. Ali foram encontradas 1049 caixas contendo ossadas, sendo que cerca de 25% das caixas foram apontadas como contendo mais de um indivíduo. Na identificação dessas é que trabalha o Grupo de Trabalho Perus (GTP).
Criado pela Portaria n° 620, no dia 09 de outubro de 2014, o GTP é resultado da parceria de três instituições: a Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (SMDHC –SP) e a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Estas três instituições formam o comitê gestor do GTP, mas este também é composto de um comitê científico (do qual fazem parte os profissionais que atuam diretamente nas atividades de identificação do GTP) e um comitê de acompanhamento (composto por familiares, movimentos e órgãos que atuam na luta pela identificação dos mortos e desaparecidos políticos).
As ossadas se encontravam em condições precárias de cuidado e armazenamento no ossário geral do Araçá. Um trabalho imprescindível do GTP foi, portanto, transferir as ossadas para um laboratório adequado e proceder com a lavagem e a preparação das ossadas para as análises minuciosas. Essa análise dos remanescentes ósseos é o que a antropologia forense chama de “pesquisa post-mortem”. Para que a pesquisa post-mortem seja realizada, uma série de trabalhos iniciais deve antecedê-la, entre eles está a pesquisa preliminar que consiste em estabelecer quem está sendo procurado – na maioria das vezes a partir de indicações de familiares. Além das 40 solicitações que haviam sido feitas à SDH/PR, a fim de melhor compreender quem poderiam ser as pessoas inumadas na vala, a equipe procedeu realizando análise de documentos de 1971 e 1980 do cemitério, do IML e de outras comissões e trabalhos de buscas realizados no passado.
Junto a esse mapeamento, são realizadas as pesquisas denominadas “ante-mortem”, etapa também conhecida pelo nome de “pesquisa preliminar”. Inicialmente, a pesquisa preliminar almeja produzir uma contextualização sociocultural, política e histórica. Um dos aspectos relevantes é, então, o aprofundamento sobre os mecanismos repressivos que se utilizaram do desaparecimento. Esta investigação serve de base para as buscas por desaparecidos. Outros aspectos que apoiam a busca e identificação são o levantamento de documentos relevantes, tanto de fontes escritas como orais e o levantamento de informações antropológicas e biométricas dos desaparecidos, que decorre de análise de documentos, mas também de conversas e entrevistas com familiares. Estes levantamentos se configuram como uma tarefa muito delicada porque faz emergir lembranças dolorosas e traumáticas de entes queridos, porém é um trabalho que precisa ser realizado, pois são dados importantes que podem fornecer e circunscrever na pesquisa post-mortem aspectos e detalhes que permitem uma possível identificação. Estes estudos também possibilitam a reconstrução dos acontecimentos e a construção de hipóteses sobre a localização de outros locais de inumação, ou seja, de sepultamento de restos mortais de desaparecidos.
A identificação só é confirmada após um exame de DNA, ou seja, a partir do cruzamento do DNA obtido nas ossadas em comparação com o de possíveis familiares. Assim, com as técnicas da antropologia forense, após a delimitação de quem está sendo buscado e do perfil dessas pessoas, pode-se iniciar os processos de tentativa de identificação por DNA – um trabalho árduo, que nem sempre produz os resultados esperados pelas várias dificuldades implicadas nos processos de identificação, mas que deve ser realizado para garantir aos familiares o direito de conhecerem o paradeiro e o destino de seus entes queridos.
A partir da pesquisa preliminar (ante-mortem) e da pesquisa post-mortem, a equipe do GTP foi capaz estabelecer uma listagem que considerou diferentes graus de probabilidade de pessoas que podem ter sido inumadas (enterradas) na vala clandestina. Esta listagem se pautou também principalmente em listas criadas anteriormente pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela SDH/PR. De uma maneira geral, considerou-se:
- Os nomes nos livros de entrada do cemitério de Perus;
- Os nomes de pessoas que desapareceram em São Paulo;
- Notícias que revelavam pessoas que passaram por algum órgão de repressão em São Paulo.
Também foram consideradas as solicitações de famílias que pediram a busca de seu ente querido na vala, com o intuito de que ao menos fosse excluída a possibilidade de estar entre os restos mortais da mesma. Seguindo o que propõe o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, optou-se por agregar todas essas possibilidades – que aparecem como resultado de uma política de desaparecimento e ocultação de corpos – para que as buscas possam, talvez, produzir uma resposta aos familiares, mesmo que negativa, ou seja, que tal desaparecido não foi encontrado entre os restos mortais contidos na Vala de Perus. É importante mencionar também que a listagem passou por dificuldades em ser aprimorada, pois inúmeros arquivos, de diferentes instituições que trabalharam ou contribuíram para a repressão, ainda não foram abertos, e com isso muitos documentos que seriam fundamentais para as buscas, e para a determinação de quem deve estar na lista dos buscados, não puderam ser analisados.
Segue abaixo lista dos nomes dos desaparecidos políticos que ainda não foram identificados e que tem seus nomes ou nomes falsos (codinomes) com entrada nos livros do cemitério de Perus, sendo que estes possuem altíssima probabilidade de estarem entre os restos mortais da vala:
- Francisco José de Oliveira (registrado como Dario Marcondes)
- Grenaldo de Jesus Silva
- Hirohaki Torigoe (registrado como Massahiro Nakamura)
- José Milton Barbosa (registrado como Helio José da Silva)
- Luiz Hirata
- Marlene Rachid Papembrok (registrada como desconhecida)
Soma-se à listagem as pessoas que foram dadas como desaparecidas em São Paulo no período ou que relatos e documentos apontam como pessoas que foram presas pelos aparatos de repressão:
- Aylton Adalberto Mortati (assassinado em São Paulo, na região da zona leste)
- Edgar Aquino Duarte (muitos sobreviventes apontam tê-lo visto no DOPS de São Paulo)
- Luiz Almeida Araujo (desapareceu em 1971 na av. Angélica, bairro Higienópolis)
- Paulo Stuart Wright (desapareceu na Grande São Paulo quando estava no trem de São Paulo a Mauá em 1973. Sua roupa foi vista no DOI CODI).
Por fim, com menores probabilidades, referências de pessoas desaparecidas ou mortas na Grande São Paulo ou que informações permitem concluir que passaram pelo município em algum momento e seguem desaparecidas. São elas:
- Abílio Clemente Filho
- Aluísio Palhano Pedreira Ferreira
- Ana Rosa Kucinski Silva
- Davi Capistrano da Costa
- Devanir José de Carvalho (cuja solicitação de exame necroscópico do IML aponta destinação do corpo ao cemitério de Perus e depois com correção para o cemitério de Vila Formosa)
- Eduardo Collier Filho
- Elson Costa
- Fernando de Santa Cruz Oliveira
- Heleny Ferreira Telles Guariba
- Hiram de Lima Pereira
- Honestino Monteiro Guimarães
- Ieda Santos Delgado
- Isis Dias de Oliveira
- Issami Nakamura Okano
- João Massena Melo
- José Montenegro de Lima
- José Roman
- Luís Ignácio Maranhão Filho
- Orlando da Silva Rosa Bonfim Junior
- Paulo César Botelho Massa
- Paulo de Tarso Celestino Silva
- Walter de Souza Ribeiro
- Wilson Silva
Ainda, de acordo com pedidos de familiares feitos nos anos 90 – quando os trabalhos eram realizados pela UNICAMP –, foram mantidos como pessoas buscadas os seguintes desaparecidos políticos:
- Itair José Veloso
- Jayme Amorim de Miranda
- Joel Vasconcelos Santos
- Jorge Leal Gonçalves Pereira
- Thomaz Antonio da Silva Meirelles Neto
- Vitor Luís Papandreu
- José Padilha Aguiar
- Olimpio de Carvalho