A Comissão de Anistia (CA), instalada no dia 28 de agosto de 2001, é uma comissão de Justiça de Transição do Ministério da Justiça. A CA tem a finalidade de analisar as concessões de Anistia Política que serão realizadas pelo Ministério da Justiça e realizar seu programa de reparação. Isto é feito por meio de exame e apreciação dos requerimentos de anistia que são enviados à CA – como será abordado no próximo item.
A Comissão de Anistia conta com um conselho de mais de 20 conselheiros e um presidente, tendo a função de examinar e apreciar os requerimentos de anistia. Após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016, o novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, nomeou 19 novos conselheiros, dispensando 7 antigos conselheiros e substituindo 5 conselheiros que pediram para deixar o conselho, dada a situação de instabilidade institucional e política do país. O antigo presidente da CA, Paulo Abrão, também pediu para deixar o cargo, sendo substituído por Almino Afonso.
Além de agir na dimensão individual do reconhecimento das anistias solicitadas e dos direitos às reparações morais e econômicas, a CA tem atuado em várias frentes que visam o aprofundamento do processo democrático e a garantia dos direitos e valores da Justiça de Transição. Desde o PNDH-3, que estabeleceu o eixo do direito à Memória e à Verdade como fundamental para as políticas de Direitos Humanos no Brasil, a CA tem atuado fortemente no escopo dessas políticas. Mesmo antes, já em 2007, a Comissão de Anistia começava a realizar projetos de educação, cidadania e memória.
A CA tem trabalhado, então, com uma série de projetos na linha de Memória e Verdade e de Reparação. Um exemplo disso são as Caravanas da Anistia, que têm realizado suas apreciações das solicitações de pedidos de anistias em sessões públicas, nos locais em que ocorreram as violações, tornando vivos os processos de elaboração de Memória e Verdade sobre esses acontecimentos. Tem também realizado uma série de publicações e ações – feitas em parcerias com diversos atores e organismos sociais, por meio de chamadas públicas – que possibilitam a preservação e divulgação de documentos, depoimentos e outras informações que constituem a Memória desses acontecimentos. Além disso, fomenta também a cooperação internacional, que possibilita a troca de experiências e conhecimentos com diversos países, principalmente os latino-americanos. A Comissão de Anistia vem constituindo assim uma rede nacional e internacional de ações, projetos e práticas que pensem e efetivem os direitos da Justiça de Transição, com vistas ao aprimoramento dos processos democráticos.
1. A concessão de anistia e as reparações
A concessão de anistia está prevista na Constituição de 1988 e foi regulamentada pela Lei n° 10.559, de 2002, que regulamenta o funcionamento dessas concessões e das reparações morais e econômicas aos anistiados. Podem ser anistiadas as vítimas de perseguição, atos de exceção e arbítrio, ou que tenham sofrido violações de direitos humanos no período que vai de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988. A Comissão de Anistia já recebeu mais de 75 mil solicitações de anistia política, das quais 60 mil já foram examinadas e apreciadas, sendo submetidas à decisão final do Ministro da Justiça. Pode solicitar anistia política à CA, ou seja, entrar com um requerimento que será examinado e apreciação pelos consultores, os próprios(as) perseguidos(as) políticos(as) ou, caso tal pessoa tenha falecido, o(a) viúvo(a), o sucessor ou dependente econômico da pessoa em questão.
Os requerimentos são analisados por uma equipe que compara as informações e relatos apresentados nos processos de solicitação com documentos que comprovem ou não a perseguição política sofrida pela pessoa. Para tal comparação, a equipe consulta registros no Arquivo Nacional, nos Arquivos do Superior Tribunal Militar – principalmente em casos de perseguições dentro dessa instituição –, e em outras fontes de documentos como empresas, universidades, escolas e outras instituições às quais estavam vinculadas as pessoas que foram perseguidas. A equipe elabora, então, um processo que servirá de base para a análise dos conselheiros da CA, que deliberarão pelo reconhecimento ou não da anistia, e pela consequente reparação moral e/ou econômica.
Assim, conjuntamente ao reconhecimento da anistia política solicitada, os conselheiros também deliberam e estipulam os valores a serem pagos para a reparação. Esses são regulados pela Lei n° 10.559 e abarcam dois tipos de situações. A primeira consiste em pessoas que sofreram perseguições políticas e por conta dessas foram demitidas de seus trabalhos e/ou impedidas de conseguir suas formas de subsistência. Nessa situação, comprovado o afastamento arbitrário de um trabalho e/ou o impedimento para a obtenção de novos empregos, a Comissão de Anistia pode estabelecer um valor de prestação mensal, permanente e continuada. Isso significa que a CA calcula o valor correspondente ao cargo que a pessoa ocuparia se não tivesse sido perseguida – valor atualizado com relação a vários fatores como, por exemplo, taxa de inflação – e estabelece esse valor como pagamento mensal que a pessoa passará a receber do Estado. A esse valor é somado um retroativo de 5 anos contados a partir da entrada do requerimento na CA. Dessa forma, a pessoa recebe, a partir do reconhecimento da anistia política, a reparação econômica com um pagamento mensal mais o valor total de 5 anos retroativos desses pagamentos mensais. Quando, por uma série de razões, não se consegue chegar ao cálculo que estabelece esse valor, ainda pode-se proceder com a análise de um valor que esteja de acordo com o mercado de trabalho atual.
O segundo tipo de situação a ser reparada se refere a casos em que os perseguidos não tinham vínculo trabalhista, mas que, mesmo assim, sofreram perseguições que afetaram significativamente suas vidas e suas possibilidades de emprego e de desenvolvimento pessoal e material. O caso exemplar é o de estudantes. Estes, ao serem perseguidos, presos, torturados e/ou exilados não foram afastados arbitrariamente de suas fontes de subsistência, mas com toda certeza tiveram seus desenvolvimentos pessoal, psicológico e material afetados pela repressão do Estado. Nesses casos, a Lei estabelece o pagamento de prestação única correspondente a 30 salários mínimos por cada ano de perseguição. Ou seja, se uma pessoa esteve presa durante 3 anos e exilada durante outros 2, ela deve receber um pagamento único de 150 salários mínimos. No entanto, a Lei estabelece como teto para esses pagamentos o valor de 100 mil reais.
2. Os projetos na linha de Memória, Verdade e Reparação
Além da apreciação e exame dos requerimentos apresentados acima, a Comissão de Anistia tem atuado na promoção de políticas públicas que fomentam o direito à Memória e à Verdade e o direito à Reparação. São exemplos dos principais projetos as Caravanas da Anistia, as Marcas da Memória, as Clínicas do Testemunho e o Memorial da Anistia Política do Brasil.
Caravanas da Anistia
São sessões públicas e itinerantes, nas quais são realizadas as apreciações de requerimentos de anistia por parte dos conselheiros. Normalmente essas sessões são seguidas de atividades educativas e culturais. Com isso, ao mesmo tempo em que promovem a Memória, a Verdade e a Reparação, as ações possibilitam a formação em direitos humanos, o resgate e a preservação da memória política brasileira, tornando sua construção coletiva e pública.
Já foram realizadas mais de 90 Caravanas da Anistia em todo o Brasil, nas quais ganham espaço os testemunhos dos perseguidos políticos e de seus familiares. Além disso, figuras importantes da resistência contra o regime ditatorial e da luta por anistia e abertura são homenageadas. Estudantes, população local, profissionais da imprensa e representantes de órgãos públicos têm assim, a oportunidade de conhecer e participar da construção viva da memória sobre o período e o legado autoritário da ditadura.
Projeto Marcas da Memória
Passou a ser realizado em 2008 com o objetivo de resgatar a memória dos que foram perseguidos, mortos e torturados pela ditadura. O projeto visa construir um acervo de fontes audiovisuais e orais que sirvam de registro e organização para o Centro de Documentação e Pesquisa do Memorial da Anistia Política do Brasil. As Caravanas da Anistia permitiram ampliar grandemente os testemunhos, informações e documentos coletados que podem fazer parte desse acervo.
Por meio de editais públicos, o projeto transferiu recursos para que grupos da sociedade civil pudessem executar e elaborar mecanismo de construção e registro das distintas narrativas sobre o período e sobre as violações do Estado. Algumas das ações que o projeto viabiliza com seus investimentos são:
a. audiências públicas;
b. produção de entrevistas que constituam documentos da História Oral;
c. projetos de preservação, difusão e divulgação dos materiais de memória – são exemplos: exposições artísticas, peças teatrais, palestras, projetos de digitalização ou restauração de acervo histórico, entre outras.
d. publicação de livro, coletâneas, dissertações e teses sobre o período da ditadura, sobre temas da Justiça de Transição e sobre memórias dos perseguidos políticos.
O projeto permite, assim, que a Comissão de Anistia construa em parceria com a sociedade civil uma série de iniciativas que alavancam a discussão sobre a memória, promovem a educação e formação para a história do período e para os direitos humanos.
Clínicas do Testemunho
As Clínicas do Testemunho são uma iniciativa pioneira da Comissão de Anistia, pois concebem a promoção de reparação para os perseguidos da ditadura e para suas vítimas como uma construção, simultaneamente, individual e coletiva. Os reflexos e as marcas da violência do Estado podem ficar inscritos por anos nos corpos e nas mentes das pessoas. Além da reparação financeira, moral e simbólica, faz-se necessária, então, a reparação psicológica das vítimas. O Estado tem obrigação de dar suporte e oferecer apoio psicológico para que tais pessoas possam superar, ou ao menos elaborar, as experiências traumáticas que viveram. Assim, profissionais competentes para realizar a escuta dessas pessoas são designados a partir de núcleos de atenção psicológica, que são constituídos por meio de parcerias com entidades da sociedade civil. Nos núcleos, as vítimas são recebidas para poder falar de suas experiências individualmente e para compartilhar essas experiências também em grupo, podendo ter seus relatos reconhecidos e compartilhados pelo coletivo.
Além de dar atenção às vítimas, as Clínicas do Testemunho trabalham para a capacitação de profissionais e para a produção de conhecimentos que possam promover a atenção e a escuta de vítimas de violências. Os núcleos, portanto, não funcionam apenas como clínicas, mas também como espaços de constituição de redes de conhecimentos que possam servir de base para a atividade de outros profissionais no atendimento de vítimas e no enfrentamento às violências do Estado.
Memorial da Anistia Política do Brasil
O Memorial de Anistia Política do Brasil é um projeto criado em 2008 e que, por meio de uma parceria entre o Ministério da Justiça e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), prevê a construção, na cidade de Belo Horizonte, de um espaço de memória e preservação de todo o material coletado e trabalho realizado pela CA (dossiê, arquivos, vídeos, áudios, etc.). O Memorial é um instrumento de memorialização e simbolização das experiências e histórias vividas pelos que foram perseguidos durante a ditadura. Com isso, o Estado reconhece, por meio desse projeto da CA, a importância da memória dessas pessoas para a memória política e cultural do país.
Por tudo isso, o Memorial também é um projeto que permite unir as dimensões individual e coletiva das reparações aos perseguidos políticos. Além dos processos de Memória, Verdade e Reparação que a Comissão de Anistia já mobiliza com suas apreciações de pedidos de anistia e com seus outros projetos, o Memorial será a materialização desses processos na forma de um espaço público de reparação coletiva, no qual os perseguidos e toda a população podem tomar contato e fazer parte dessa memória.