No Brasil, durante a transição propriamente dita, não foram adotadas medidas significativas no campo da Justiça de Transição, apesar da mobilização de setores da sociedade civil em defesa do direito à memória, à verdade e à justiça. O que se observou, ao contrário, foi a ausência de políticas estatais voltadas ao enfrentamento do legado ditatorial, configurando uma política deliberada de esquecimento, na qual o tema da ditadura foi, por muito tempo, excluído da agenda pública.
Somente em 1995, após forte pressão de familiares de desaparecidos políticos, o governo federal adotou uma medida significativa por meio da promulgação da Lei nº 9.140/1995, conhecida como “Lei dos Desaparecidos”. Esse instrumento reconheceu oficialmente como mortas as pessoas desaparecidas em decorrência de sua militância política durante a ditadura. Na sequência, foi criada a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), ainda em funcionamento.A medida mais impactante, tanto política quanto socialmente, no campo da Justiça de Transição no Brasil foi a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), quase três décadas após o término da ditadura. Instituída por lei em 2011 e em funcionamento a partir de 2012, a CNV não possuía caráter judicial ou punitivo, mas teve como missão reunir documentos, ouvir testemunhos e elaborar um relatório final que contribuísse para o direito à memória e à verdade. O resultado desse trabalho, em 2014, foi a publicação de um extenso relatório, dividido em três volumes, que incluiu a identificação de responsáveis por tortura, execuções e desaparecimentos forçados, além da formulação de recomendações para evitar a repetição das violações. A comissão teve papel fundamental na ampliação do debate público sobre os impactos da ditadura militar na consolidação da democracia brasileira.

Além das iniciativas mencionadas, destaca-se também a atuação da Comissão de Anistia, instituída pela Lei nº 10.559/2002 e ainda em funcionamento. Essa comissão tem por finalidade reconhecer e reparar as violações de direitos decorrentes de perseguições políticas durante o regime civil-militar (1964–1985), sendo responsável pela análise de requerimentos de anistia, concessão de reparações econômicas e simbólicas às vítimas e pela promoção de ações voltadas à preservação da memória histórica.
Considerações finais
Para concluir, é essencial destacar que, embora termos e conceitos sejam geralmente associados a significados específicos, as realidades históricas podem provocar reconfigurações em seu uso e compreensão. Conceitos não são categorias fixas e imutáveis; estão sujeitos a interferências contextuais que podem expandir ou modificar, ainda que parcialmente, seus significados originais.
O atual contexto político-histórico, tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo, reforça a necessidade de uma Justiça de Transição permanente, que, sem limites conceituais rígidos, continue a desempenhar um papel fundamental na promoção da democracia, no fortalecimento do Estado de Direito e na prevenção de futuras violações de direitos humanos.