Em maio de 2021, a partir dos recursos do TAC da Volkswagen, o CAAF/Unifesp apresentou o projeto “Responsabilidade de empresas por violações de direitos durante a Ditadura”, que previa a investigação de nove empresas já definidas — Petrobrás, Companhia Siderúrgica Nacional, Itaipu Binacional, Companhia Docas de Santos, Folha de S. Paulo, Cobrasma, Fiat, Josapar e Paranapanema — e mais uma décima a ser apontada. Foi aberto, então, um edital para a seleção de equipes acadêmicas que ficariam responsáveis por cada uma dessas pesquisas, bem como para a definição da décima empresa a ser investigada, que acabou sendo a Aracruz. O trabalho dessas equipes teve início em outubro de 2021 e se estendeu até meados de 2023.
Vale notar que os grupos desenvolveram suas investigações não apenas dialogando entre si, mas também a partir de uma interlocução com o próprio Ministério Público Federal. Assim, tais pesquisas tiveram uma natureza específica: desenvolvidas por acadêmicos de ponta em suas áreas de atuação, elas tinham também uma dimensão fortemente vinculada à busca de material comprobatório para futuras ações do MPF. Em agosto daquele ano, o CAAF apresentou um relatório com os resultados das dez primeiras investigações. Também no ano de 2023, um novo edital foi publicado, com vistas a financiar pesquisas sobre três novas empresas: Embraer, Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira e Mannesmann.
Na síntese formulada pelos historiadores Pedro Henrique Pedreira Campos e Rafael Vaz da Motta Brandão, as pesquisas desenvolvidas a partir do edital do CAAF/Unifesp “identificaram padrões e características na atuação” dos grupos econômicos durante a ditadura. “Essas grandes empresas”, afirmam os pesquisadores, “atuaram em franca colaboração com a repressão, monitorando e vigiando as atividades sindicais e políticas dos seus funcionários, e disponibilizaram suas dependências para a atuação do aparato repressivo”. Assim, do ponto de vista do conhecimento factual e empírico, bem como dos instrumentos teóricos e analíticos, os últimos anos representaram um enorme salto para o campo de estudos e pesquisas sobre a relação entre empresariado e ditadura no Brasil.
Esse avanço se refletiu, também, na dimensão político-jurídica do tema. Em primeiro lugar, vale destacar que, às vésperas da publicação do relatório do CAAF/Unifesp, a Agência Pública de jornalismo investigativo produziu uma série especial adiantando alguns dos resultados das investigações, o que representou uma enorme visibilidade para a questão. Outras iniciativas decorrentes dessas pesquisas voltaram a jogar luz sobre o tema. Dentre elas, destaca-se a série documental Folha Corrida, veiculada pelo Instituto Conhecimento Liberta, produzida a partir da investigação sobre a relação entre a Folha de S. Paulo e a ditadura militar.
Outra questão a se destacar é a criação, em dezembro de 2024, de uma entidade voltada para fornecer apoio jurídico às vítimas de violações de direitos humanos perpetradas pela ditadura a partir da cumplicidade empresarial: a Associação de Ativistas por Reparação (AAR). A constituição da organização se torna especialmente relevante na medida em que um dos principais resultados das pesquisas realizadas no âmbito do projeto do CAAF/Unifesp foi a abertura de novos inquéritos por parte do Ministério Público Federal. Hoje, há inquéritos abertos em face de cada uma das 13 empresas investigadas.
Não caberia, dentro do escopo deste texto, detalhar o andamento dos processos, nem tampouco delinear as expectativas em torno de cada um deles, já que cada caso guarda particularidades e desafios próprios. O que se pode atestar é que a mera abertura dos inquéritos torna a questão da responsabilidade empresarial por violações aos direitos humanos na ditadura um aspecto incontornável da Justiça de Transição no Brasil. Cabe refletir, por fim, quais são os possíveis desdobramentos futuros dessa agenda.