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Considerações finais

Os avanços nas investigações sobre a relação entre empresas e a ditadura recuperaram um tipo de olhar para o regime autoritário que dá centralidade à luta de classes, a qual, por décadas, ficou esquecida. No entanto, ainda há muito a se fazer, tanto no plano acadêmico quanto no jurídico-político. Para encerrar este texto, apontamos quatro questões relevantes a serem consideradas.

A primeira delas diz respeito aos arquivos. Um dos desafios centrais da investigação de empresas é acessar sua documentação privada. As pesquisas realizadas no âmbito do CAAF/Unifesp, por contarem com o suporte do MPF, puderam contornar em parte esse problema, na medida em que, em alguns casos específicos, o Ministério Público atuou para garantir o acesso dos pesquisadores a esses acervos. Nesse sentido, vale ressaltar que essa parceria entre academia e MPF pode ser muito proveitosa para o desenvolvimento dessa agenda. Para além disso, é importante notar que parte das empresas investigadas são ou foram estatais – por exemplo, a Petrobras e a Companhia Siderúrgica Nacional, respectivamente. Nesse sentido, o acesso à documentação dessas empresas deve ser incluído na agenda mais geral da luta pela abertura dos arquivos da ditadura militar.

A segunda questão diz respeito ao aprofundamento do olhar interseccional na análise da cumplicidade empresarial com o golpe e a ditadura. As dimensões de raça, gênero, orientação sexual, etnia e território devem ser levadas em conta ao lado da dimensão de classe. Assim, a recuperação da lente da luta de classes não pode significar um abandono dos outros marcadores sociais de diferença, que também passaram, nos últimos anos, a ser incorporados na agenda Justiça de Transição no Brasil, como este texto também demonstra. Vale notar que as pesquisas do CAAF/Unifesp avançaram de maneira significativa nesse sentido. Exemplar, nesse sentido, é o fato de que as investigações sobre a Aracruz, a Itaipu Binacional, a Josapar, a Paranapanema e a Petrobras trouxeram indícios muito relevantes acerca da responsabilidade dessas empresas por violações de direitos humanos contra as populações indígenas.

Uma terceira questão diz respeito à concepção de reparação em jogo nesses debates. No caso da Volkswagen, parte dos sindicalistas e das organizações que acompanharam a investigação desde o seu início expressaram insatisfação com as medidas de reparação que a empresa teve de adotar no âmbito do Termo de Ajustamento de Conduta negociado junto ao MPF, MPT e MPSP. É fundamental, portanto, que os inquéritos que estão em curso, bem como outros que venham a ser abertos, busquem maior convergência entre as expectativas das próprias vítimas individuais e as medidas cobradas das empresas. A centralidade da vítima é uma das bases fundamentais da Justiça de Transição, e essa premissa deve continuar orientando os processos relativos às empresas.

Uma última questão tem a ver com os desdobramentos jurídicos dos inquéritos. Ainda pensando no exemplo do caso da Volkswagen, é certo que há uma série de argumentos jurídicos e políticos que justificam a opção por arquivar as ações judiciais e firmar um TAC com a empresa. Aqui, não se trata de forma alguma de questionar essa escolha dos Ministérios Públicos e/ou das próprias vítimas. No entanto, é preciso destacar que outras experiências nacionais têm sido capazes de levar adiante os processos judiciais contra empresas responsáveis por graves violações aos direitos humanos. O caso emblemático é o da Argentina: em 2018, dois ex-diretores da Ford foram condenados por crimes de lesa-humanidade, pela cumplicidade nas violações perpetradas contra 24 trabalhadores da empresa. Em 2021, a segunda instância da justiça argentina confirmou a sentença.

Os pontos aqui elencados não esgotam os debates em torno da temática, mas são suficientes para evidenciar alguns dos desafios pendentes. Seguir avançando nessa questão é fundamental para reforçar que o golpe de 1964, o regime autoritário que assolou o país por 21 anos, e as graves violações aos direitos humanos que marcaram aquele período não podem ser compreendidos sem que levemos em consideração que havia um projeto econômico de Nação por trás. Em meio à toda violência e ao aprofundamento brutal das desigualdades sociais, alguns indivíduos e grupos se beneficiaram e lucraram muito. Essa cumplicidade empresarial com a ditadura não pode ser esquecida, pois, num país tão desigual quanto o Brasil, parte das elites econômicas parece seguir disposta a abraçar o autoritarismo e a violência para manter seus privilégios de classe.

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