Ainda durante a ditadura, as esquerdas buscaram denunciar a dimensão de classe do regime instaurado com o golpe de 1964. Isto é, chamaram a atenção para o fato de que a deposição de João Goulart teve como um dos objetivos fundamentais a imposição, na base da força, de um projeto econômico voltado para beneficiar o empresariado e os detentores do capital, em detrimento dos trabalhadores e das classes populares. No ano de 1981, em uma das primeiras obras acadêmicas de fôlego sobre o golpe e a ditadura, o livro 1964: A Conquista do Estado, o cientista político René Dreifuss comprovou a hipótese do golpe de classe por meio da análise dos arquivos do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), organismo que serviu de base para as articulações golpistas entre empresários e militares no início dos anos 1960.
Ocorre que, nas décadas seguintes, por uma série de razões, esse olhar específico sobre as classes sociais perdeu força não apenas na discussão acadêmica, como também nos organismos da Justiça de Transição. Assim, desapareceram do horizonte do debate sobre a ditadura tanto a preocupação em evidenciar os danos e as violações aos direitos humanos que acometeram os trabalhadores quanto os benefícios econômicos e as vantagens obtidas por setores do empresariado. Embora alguns segmentos tenham se esforçado, ao longo desse tempo, para manter viva a temática — no âmbito acadêmico, os marxistas; no político, os sindicatos —, o fato é que ela só voltou a ganhar força no contexto dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.