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O enfoque de gênero no campo da Justiça de Transição

O enfoque de gênero no campo da Justiça de Transição

Recentemente, o enfoque de gênero tem sido cada vez mais mobilizado por diferentes experiências transicionais (Sikkink; Clapp; Marín-López; Schmidt, 2024), resultado, sobretudo, das lutas feministas e do desenvolvimento normativo e jurisprudencial do Direito Internacional dos Direitos Humanos, do Direito Internacional Humanitário e do Direito Internacional Penal. As recentes e importantes mudanças – que alçaram o enfoque de gênero a uma boa prática a ser implementada em processos de transição – não indicam, contudo, que as promessas e a retórica sobre gênero tenham se traduzido em uma implementação efetiva no campo da justiça de transição. De acordo com o ICTJ, grande parte desse fracasso decorre da falta de conhecimento técnico dos mecanismos transicionais para implementar medidas que incentivem a participação das mulheres e para adotar um enfoque de gênero no âmbito da investigação das violações de direitos humanos. Fato é que ainda permanece, sobre o campo da justiça de transição, a demanda por uma maior atenção aos efeitos específicos das violências que recaem sobre mulheres, lésbicas, gays, bissexuais e pessoas transexuais.

Reconhecendo as lacunas e insuficiências na incorporação e aplicação de perspectivas de gênero no campo da justiça de transição, tanto a Organização das Nações Unidas (ONU) quanto o Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) publicaram, mais recentemente, documentos pioneiros sobre o tema. Em 2020, o Relator Especial da ONU para a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição, Fabián Salvioli, publicou o relatório The gender perspective in transitional justice processes (A perspectiva de gênero nos processos de justiça transicional) e, posteriormente, em 2023, a Relatoria sobre Memória, Verdade e Justiça da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publicou o Compendio sobre la reparación integral con perspectiva de género en contextos de justicia transicional (Compêndio sobre a reparação integral com perspectiva de gênero em contextos de justiça transicional).

De acordo com a CIDH, implementar uma perspectiva de gênero implica reconhecer que, em contextos ditatoriais e de conflitos armados, fatores estruturais de discriminação e violência, aliados a estereótipos de gênero, reforçam processos de vitimização e violência contra mulheres e pessoas LGBT+. Adotar um enfoque de gênero implica, portanto: (i) visibilizar a posição de desigualdade e subordinação estrutural das mulheres com base no gênero; (ii) erradicar a falsa premissa da inferioridade das mulheres em relação aos homens; e (iii) visibilizar e abordar os estereótipos e preconceitos que contribuem para a discriminação com base na orientação sexual, identidade de gênero e características sexuais diversas. Para tanto, explica a CIDH, é preciso promover, no âmbito da justiça de transição, um exercício constante de investigação e de reconhecimento das circunstâncias particulares que afetam meninas, adolescentes, mulheres e pessoas LGBT+, em razão da discriminação estrutural que sofrem, baseada no gênero. Isso implica não apenas analisar os impactos diferenciados que agravam suas situações de vulnerabilidade e as diferentes formas de violência, como também contribuir para a conceitualização de medidas de reparação interseccional (CIDH, 2023, p. 25).

O Relator Especial da ONU para a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição pontua que, desse enfoque, decorre a necessidade de se alargar o escopo de violências e de vítimas que passam a ser objeto do campo da justiça de transição, englobando, por exemplo: violência sexual, estupro, tortura sexual, nudez forçada, toque inapropriado, mutilação genital, escravidão forçada, gravidez forçada, esterilização forçada, perda da capacidade reprodutiva como decorrência da tortura, roubo de bebês, deslocamento forçado e, poder-se-ia acrescentar, violência reprodutiva e obstétrica, violências econômicas, ambientais e territoriais (ONU, 2020).

Também decorre da perspectiva de gênero a necessidade de se considerar as causas, as consequências e os impactos específicos da violência contra a mulher, jogando luz, por exemplo, sobre a estigmatização, o medo, a marginalização, o aumento da carga de cuidado, a exclusão da família ou da comunidade (quando vitimadas pela violência sexual, por exemplo), bem como situações de perdas econômicas e territoriais.

Por fim, uma das consequências centrais desse enfoque consiste em promover formas de reparação das vítimas elaboradas a partir de uma lente necessariamente transformativa e não somente restituidora, que seja capaz de atingir desigualdades e discriminações estruturais baseadas no gênero, existentes antes, durante e depois de conflitos armados e regimes autoritários (CIDH, 2023, p.10).

Experiências transicionais

Ganhou destaque mais recentemente a atuação da Comissão da Verdade da Colômbia, criada em 2017. Em seus trabalhos, houve a adoção transversal de um enfoque de gênero que resultou na publicação de um volume do relatório final intitulado “Mi cuerpo es la verdad: Experiencias de mujeres y personas LGBTIQ+ en el conflicto armado colombiano”, disponivel em: https://www.comisiondelaverdad.co/hay-futuro-si-hay-verdad.

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