As grandes desigualdades no campo são uma realidade presente em diferentes momentos históricos no Brasil, relacionados a distintos projetos e conjunturas políticas. O contraste dos grandes latifúndios improdutivos e da massa de trabalhadores rurais sem terra, recoloca constantemente a necessidade da luta pela superação das contradições estruturais da sociedade. Há diferentes significados da luta pela terra, os quais podem estar ligados à luta pela soberania dos povos, à autonomia indígena, à visão religiosa e sagrada da terra, à possibilidade de libertação do trabalhador, à segurança ou soberania alimentar, à luta da classe trabalhadora contra a desigualdade e opressão do sistema econômico. Nesse sentido, o homem e a mulher do campo se apresentam como sujeitos políticos com importante potencial de transformação social.
A luta por terras esteve presente desde o início da criação das nacionalidades latino-americanas. Os Estados Nacionais se constituíram pela expropriação de terras dos povos originários e dos camponeses, e pela escravização destes povos para trabalhar nestas terras pela concentração da riqueza nas mãos de poucas famílias, representantes da classe dominante, e também muitas vezes nas mãos de empresas estrangeiras. A análise dos interesses da Europa e, posteriormente, dos Estados Unidos, mostra como o destino político e econômico dos países na América Latina foi fortemente forjado de acordo com as necessidades de lucro dos colonizadores.
No Brasil, por exemplo, a cana-de-açúcar não surge como necessidade nacional da economia brasileira, mas foi preciso criar uma sociedade colonial produtora de cana-de-açúcar a serviço de uma demanda mundial. A consolidação dos latifúndios e da monocultura desde a origem da formação econômica do país não respondia – e ainda não responde – às demandas internas da população.
A escravização de negros e indígenas preparou o Brasil colonial para o modelo agroexportador. O sistema de fazendas ao longo da costa e a mão-de-obra escrava organizaram as novas comunidades constituídas em função da economia açucareira. A sociedade foi adquirindo novos cenários ecológicos e econômicos de acordo com a tarefa produtiva a que se dedicava. Pelo interior foram abertos campos de criação de gado; se conformaram ramos de mineração de ouro e diamante; na mata amazônica os coletores de borracha; no extremo Sul, novas áreas pastoris.
Darcy Ribeiro mostrou como se plasmaram a partir daí as distintas formas de ser dos brasileiros: sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras paulistas, mineiros ou goianos, gaúchos das campanhas sulinas, gringo-brasileiros, etc. A configuração do povo brasileiro e sua distribuição geográfica está muito ligada à história de como o sistema agropecuário e de extração se espalhou pelo território – mas também pelas formas de sujeição e expropriação a que foram submetidos os povos que estavam aqui antes da chegada dos europeus e os que aqui se formaram.
Lei de Terras
Durante a época do Brasil colônia, entre 1500 e 1850, aos trabalhadores escravizados era garantido apenas o espaço para produção agrícola de subsistência, o que reduzia o custo da reprodução da vida dessa população. A propriedade das terras era de monopólio da Coroa portuguesa. A monarquia europeia permitia a concessão de uso da terra por meio do direito à herança. A posse e a exploração das terras eram determinadas pela concessão ou pela hereditariedade da concessão, isso significa que não era permitida a venda ou a compra de terras. No regime de sesmaria, a terra era concedida como um ato de graça pela Coroa. Após a Independência, em 1822, o país passou a viver em um regime mais liberal de acesso à terra. Isso ocorreu aproximadamente durante 30 anos, que coincidem com o período de decadência da agricultura brasileira, onde a produção de açúcar e a extração de ouro encontraram concorrência em mercados internacionais mais fortes. Após este período, o café surge como o novo produto “rei”, sendo tão exigente de terras e de força de trabalho quanto fora o engenho canavieiro. O regime de posse por concessão ou hereditariedade cai para dar lugar à Lei de Terras, fortalecendo o poder do latifúndio pela legislação.
As terras passaram a ser mercadorias no Brasil apenas em 1850. A Coroa portuguesa sofre pressão da Inglaterra para substituir a mão de obra escrava pelo trabalho assalariado – ou seja, para abolir a escravidão –, mas impede que trabalhadores ex-escravos se apossem das terras. Assim foi promulgada a Lei nº 601, a primeira Lei de Terras no Brasil, em 1850, representando um marco jurídico para a adequação do sistema econômico ao capitalismo, preparando o território para a crise do trabalho escravo e abertura ao trabalho assalariado. O fundamento jurídico transforma a terra, de um bem da natureza, sem valor do ponto de vista da economia política, em mercadoria negociável, com preço.
A lei que normatizou a propriedade privada da terra, entretanto, proibiu desde o início que ex-escravos pudessem ser proprietários. Isso porque o cidadão poderia se transformar em proprietário privado da terra apenas mediante a compra, por meio de pagamento para a Coroa. As desigualdades do modelo escravocrata impossibilitaram que trabalhadores escravos, depois de serem libertos, pudessem ter acesso à posse de terra e se transformar em pequenos camponeses. Como não possuíam bens ou recursos, continuaram à mercê dos fazendeiros, em função da venda da sua força de trabalho, como assalariados, com uma vida igualmente precária.
Do ponto de vista da organização da produção agrícola, o modelo adotado pelos colonizadores foi o modo de produção latifundiário, caracterizado pela produção especializada de um único produto agrícola em grandes fazendas de área contínua, praticando a monocultura de cana-de-açúcar, cacau, algodão ou de gado na pecuária, destinada à exportação.
Os produtos estavam voltados para o mercado externo, portanto, a produção concentrou-se na proximidade dos portos, o que diminuía o custo com o transporte. As unidades de produção, que adotavam modernas técnicas já que os europeus utilizavam o que havia de mais avançado na tecnologia, ainda assim usavam força de trabalho da mão de obra escrava.
A história da República Velha é pautada na política do latifúndio e nas lutas geradas por conflitos da questão agrária. A grande lavoura do café, juntamente com a criação pecuária para produção de leite, foram o motor econômico entre 1840 e 1930.