As gravíssimas e sistemáticas violações dos direitos humanos, como nos casos de torturas, restrição dos direitos civis ou mesmo as execuções sumárias, raptos e desaparecimento de pessoas não são apenas elementos para uma história a ser contada sobre os períodos autoritários, mas uma realidade do cotidiano brasileiro mesmo durante o ciclo democrático. O regime militar deixou profundas marcas na cultura brasileira. Naturalizou-se no país a violação dos direitos humanos, especialmente contra jovens, do sexo masculino, pretos e pardos, originários ou residentes de periferias.
A Comissão Nacional da Verdade foi omissa no que toca à investigação da temática racial durante o regime militar. Os dados e informações produzidos pela Comissão são suficientes em vários segmentos, mas reproduz o racismo que inviabiliza as lutas negras. Apesar de trazer à tona as histórias e imagens de lideranças negras, como Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, Carlos Marighella e Helenira Resende de Souza Nazareth, a CNV não se ocupou de relacionar essas figuras ao contexto mais estrutural das relações raciais brasileiras, nem se deu conta da necessidade de mostrar que a luta pela democratização contou com a participação ativa de homens e mulheres negras, que entendiam que a verdadeira democracia deveria ser conquistada juntamente com a luta pela liberdade e igualdade para negros e brancos.
Uma justiça preocupada com a memória e a verdade deve dar conta das violências visíveis e violações invisibilizadas em nossa história. Contribuir com a educação brasileira para o reconhecimento de sua história implica mexer em muitos traumas e suas múltiplas sequelas quando combinadas com pensamento e ações autoritárias do Estado.
Trazer à cena as várias facetas da ditadura militar exige de nós o esforço de desvelar os rostos, as histórias e as trajetórias interrompidas das pessoas que ousaram lutar, de diferentes maneiras, pela liberdade e pela igualdade no país. Exige ainda que se investigue as relações persistentes dos mecanismos letais de controle e de violência sistêmica, aliados ao racismo que impactam negativamente a experiência dos afro-brasileiros, deixam marcas irreparáveis às famílias negras que seguem vendo, dia após dia, ceifadas as vidas de crianças, adolescentes e jovens negros em todo território nacional.