Depois de publicado, o relatório final da Comissão Nacional da Verdade caiu no esquecimento por parte dos poderes da República. O assunto desapareceu da imprensa depois de 2014 e a crise política gerada pela reeleição da presidenta Dilma Rousseff, já no início de 2015, sepultou os encaminhamentos e discussões sobre as 13 recomendações indígenas e dos demais temas apresentados pela CNV.
Com o impeachment ocorrido em 2016 e a eleição de candidatos apoiadores da ditadura, a desconstrução do processo de Justiça de Transição se intensificou no Brasil, onde o Estado deixou de construir o Nunca Mais e partiu para uma repetição de práticas de violência de Estado apontadas pela CNV e a retomada de ações antidemocráticas – de custo social muito caro aos brasileiros e brasileiras.
Nenhuma das 13 recomendações indígenas foi acolhida pelo Estado brasileiro. Mesmo antes do processo de impeachment de 2016, a inclusão de outras pautas indígenas sofreu restrições por parte do Ministério da Justiça, que negou solicitação do Ministério Público Federal (MPF) para a inclusão do caso Krenak, que solicita a reparação coletiva deste povo pelos fatos ocorridos em Minas Gerais.
Desta forma, o Ministério da Justiça negou aos demais povos atingidos o avanço do processo de justiça de transição, representado pela reparação aos 14 Aikewara-Suruí por violências sofridas durante o enfrentamento à guerrilha do Araguaia, e do caso de Tiuré Potiguara, exilado no Canadá nos anos 1980, anistiados pela Comissão da Anistia em 2014.
Com a demissão e troca dos conselheiros da Comissão de Anistia, toda a discussão da reparação indígena voltou ao ponto zero, uma vez que os comissionados que participaram da discussão ao longo do processo da CNV foram trocados, fechando mais ainda as portas para a reparação aos povos indígenas. A reparação às violências praticadas contra os povos indígenas vai muito além de questões financeiras, tem também caráter pedagógico junto à população, apontando a necessidade da sociedade brasileira respeitar os direitos destes povos; caráter simbólico junto à população atingida, para reafirmação dos direitos junto às novas gerações; também caráter clínico terapêutico, na reparação psicológica dos indivíduos que foram vítimas de tais violências.
O Ministério Público Federal (MPF) é o único ente do Estado que tem atuado para garantir o direito à reparação de alguns povos. Junto ao MPF, o povo Krenak reclama indenização por ter sido colocado em campo de concentração, tal qual o povo Aikewara-Suruí, quando da criação de cadeia indígena em suas terras nos anos 1970 e a perda de parte do seu território mediante remoção forçada. O povo Kayabi quer ser reparado pela remoção forçada a que foi submetido, que vitimou parte de seu povo durante a transferência de terras e na luta pela retomada de suas terras. O povo Pataxó Hã-Hã-Hãe tem direito ao ressarcimento pelo roubo da renda indígena proveniente de contratos de arrendamento em suas terras de Itajú da Colônia, realizados com quantia irrisória. Há procedimentos também no Ministério Público do Amazonas para reparar o povo Waimiri-Atroari, que sofreu genocídio entre 1975 e 1982, atingidos pela construção de estradas e uma hidrelétrica em seu território.
A negação da reparação aos povos indígenas por parte do Estado brasileiro se dá pelo engavetamento das recomendações da CNV, o sucateamento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a paralisação dos processos de demarcação de terras por parte do Executivo Federal, e pela retirada de direitos constitucionais indígenas – como a PEC 215 e outras leis de caráter anti-indígena em tramitação no Congresso Nacional. Também existe a ameaça pelo STF por meio do conceito de marco temporal adotado, que restringe mediante uma “data de validade” o direito originário dos povos indígenas às terras. Isso é feito determinando a data da promulgação da constituição como referência para determinar a posse da terra. Com isso, o STF se desfaz da Constituição e ignora o direito originário das terras garantido na Constituição, promovendo o esquecimento da violência apurada pela CNV, e os muitos crimes de tutela praticados pelo Estado, anistiando o roubo das terras indígenas no Brasil.