Foi justamente com o objetivo de garantir que os trabalhadores desenvolvessem habilidades intelectuais básicas e se tornassem mais funcionais ao sistema, que a ditadura lançou outro importante programa, com foco nos jovens e adultos: o Movimento Brasileiro de Alfabetização, conhecido como Mobral.
Criado oficialmente em 1967, o Mobral foi posto em prática três anos mais tarde. Na época, 40% da população de 15 anos ou mais era analfabeta. A propaganda dos militares era de que o analfabetismo seria erradicado em dez anos. No entanto, até sua extinção, em 1985, o índice de analfabetismo havia diminuído apenas 2,7%, como apurou recentemente o jornal Estado de São Paulo.
Anunciado com grande alarde, o Mobral era uma arma dos ditadores contra o Programa Nacional de Alfabetização do governo João Goulart, lançado em janeiro de 1964. No governo Goulart, tal programa foi coordenado por Paulo Freire e adotava o método por ele desenvolvido nos Círculos de Alfabetização do Movimento Popular de Cultura (MPC), em Pernambuco.
Segundo Paulo Freire, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, ideia extremamente subversiva na visão dos golpistas de 1964, que se apressaram em acabar com todos os vestígios do método freireano de educação popular. A eles bastava que se ensinasse a ler, escrever e a realizar as operações matemáticas básicas. Isso era suficiente para engordar as estatísticas da ditadura.
É importante perceber que o Mobral acabou contribuindo para o avanço do analfabetismo funcional. Ao ensinar apenas a ler e escrever, sem valorizar a profundidade de conteúdo, a interpretação e o raciocínio, o programa criou uma massa de pessoas que era capaz de ler as palavras, mas não de apreender completamente o sentido de textos mais complexos. Ao mesmo tempo, ao se expandir a atuação de professores não diplomados, o analfabetismo funcional se tornou uma bola de neve que até hoje se faz sentir.
Outro fator importante que contribuiu para o analfabetismo funcional foi a expectativa do regime militar em relação à “terminalidade” do estudo das classes mais pobres. A ênfase no ensino técnico, por exemplo, visava diminuir a demanda pelo ensino superior. O ministro da educação na época, coronel Jarbas Passarinho, chegou a afirmar que “nem todos são migradores de grandes vôos. Muitos se darão por satisfeitos antes da universidade”.
A ditadura criava assim a falsa impressão de que os estudantes tinham a escolha de ir ou não para a universidade, enquanto tal escolha de fato não existia. Os vestibulares eram concorridos e havia poucas vagas universitárias. Desde então se desenvolvia uma ideologia a respeito do “fracasso” nos vestibulares, que supostamente seria resultado da incompetência individual de cada estudante, e não das precariedades do próprio sistema escolar. Essa ideia, que ainda existe hoje, é reconhecida como “ideologia da meritocracia”.