O governo civil-militar nos legou um sistema universitário que, em linhas gerais, ainda vigora: de um lado um sistema minoritário de universidades públicas, concebidas pelo tripé pesquisa-ensino-extensão, que comportam uma elite de pesquisadores e alunos de maior renda e capital acadêmico/cultural. De outro, um setor majoritário de universidades privadas que, malgrado as exceções, não possui nem condições econômicas, nem acadêmicas para alcançar o mesmo patamar do sistema público, seja na qualidade do ensino, seja na realização de pesquisas.
A despeito de mudanças dos anos mais recentes, o ensino superior no país ainda guarda sérias contradições. Para citar apenas uma, temos universidades públicas de excelência, cuja maioria das vagas é ocupada por estudantes oriundos de escolas particulares, enquanto o ensino nas redes públicas fornece os milhões de estudantes das faculdades particulares, que ali recebem uma formação usualmente mais precária.
As marcas da ditadura também se mantêm de outras maneiras. Ainda hoje, há universidades públicas que não se desfizeram completamente dos seus estatutos e regimentos autoritários. Um exemplo é o regimento disciplinar da USP, ainda em vigor. Datado de 1972, ele conserva diretrizes típicas da Doutrina de Segurança Nacional que normatiza a perseguição política, embora a comunidade universitária seja palco frequente de manifestações de repúdio a este anacronismo.
Apesar dos esforços do Estado autoritário, as ideias de esquerda se disseminaram nas universidades durante os anos da ditadura. No fim, como um efeito colateral do próprio autoritarismo da direita, as ideias de esquerda se tornaram até mais influentes do que eram antes, embora o comunismo estivesse em crise e considerado superado por “novas esquerdas”, em meio a um movimento de fortes críticas à União Soviética.
No início dos anos 1980, na fase final do poder militar, as universidades haviam se tornado pólos importantes do pensamento marxista, apesar de enfrentarem fortes concorrentes na disputa pelo campo intelectual, tal como o liberalismo.
Em resumo, a faceta “modernizadora” da ditadura serviu a um modelo econômico e a um projeto de poder autoritário, mas gerou consequências contraditórias: o aumento da massa crítica de estudantes e professores universitários, muitos dos quais participaram decisivamente da luta pelas eleições diretas nos anos 1980 e até hoje são árduos defensores dos direitos humanos e das políticas de memória, verdade e justiça.