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Um processo que começou com a escuta das vítimas

Um processo que começou com a escuta das vítimas

Na América do Sul, a preocupação com esses lugares começou logo após o fim das ditaduras. A Argentina foi pioneira ao criar, em 1983, a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP), que produziu o relatório Nunca Más. Esse documento reuniu milhares de depoimentos e apontou mais de 340 centros clandestinos de detenção, onde opositores do regime eram torturados e assassinados. Um dos principais deles, a ESMA (Escola de Mecânica da Armada), se transformou anos depois em um espaço público de memória, o “Museo Sitio de Memoria ESMA”, e desde 2023 é reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade. A ESMA mostra como um espaço de horror pode ser ressignificado como lugar de lembrança, educação e compromisso com os direitos humanos. Outros lugares identificados nesse relatório também foram transformados em memoriais e lugares de defesa dos direitos humanos, constituindo uma admirável rede de lugares contra o esquecimento do terror da ditadura, além de terem contribuído diretamente com o reconhecimento das violações, inclusive nos julgamentos realizados contra os militares.

Fachada do Museo Sitio de Memoria ESMA, em Buenos Aires. Foto IPPDH Mercosul
Fachada do Museo Sitio de Memoria ESMA, em Buenos Aires, um dos principais centros de repressão da ditadura argentina, hoje símbolo internacional da luta por memória e justiça. Foto: IPPDH/Mercosul.

A questão dos lugares de memória tem sido tão importante na América do Sul que o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul lançou uma cartilha com os “Princípios fundamentais para as políticas públicas sobre lugares de memória”, estabelecendo diretrizes e parâmetros para a preservação de lugares vinculados aos períodos de violações de direitos humanos, sobretudo as ditaduras militares.

No Brasil, esse processo foi mais lento e enfrentou muitas barreiras. Ao contrário da Argentina, o país não julgou os responsáveis pelas violações de direitos humanos e ainda convive com tentativas constantes de negar ou apagar essa história. Mesmo assim, desde os anos 2000, organizações da sociedade civil, familiares de mortos e desaparecidos, ex-presos políticos e pesquisadores têm lutado para identificar e preservar os lugares que marcados pela violência de Estado. A criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2011, foi um divisor de águas nesse processo. Ao investigar os crimes cometidos pelo Estado entre 1946 e 1988, a CNV também trouxe à tona dezenas de espaços que foram usados para prisão ilegal, tortura e execução. Os relatórios preliminares e o relatório final da Comissão, entregue em 2014, falaram claramente da existência de centros clandestinos de repressão no Brasil — algo que o Estado nunca havia reconhecido oficialmente.

Dentre as 29 recomendações do relatório final da CNV, uma delas trata especificamente de medidas que buscam atuar sobre o tema, a recomendação nº 28, que trata justamente da preservação da memória das graves violações de direitos humanos. Ela sugere preservar, restaurar, tombar e sinalizar imóveis urbanos ou rurais onde esses crimes aconteceram. É a partir dessa recomendação que muitas iniciativas passaram a se fortalecer pelo país (Relatório Final da CNV, página 974).

Além das 29 recomendações listadas no capítulo específico de Conclusões e Recomendações no volume I do Relatório final da CNV, há outras 13 recomendações voltadas às violações de direitos humanos dos povos indígenas, além de 7 previstas no capítulo sobre as violações de direitos humanos da população LGBTQIA+, ambos presentes no segundo volume do relatório final, dedicado aos textos temáticos.

Sobre essas recomendações, em 2023, o Instituto Vladimir Herzog publicou um relatório que apresenta o monitoramento do estado das recomendações da CNV, identificando que do total de 29 recomendações, apenas 2 foram realizadas (7%) e 6 parcialmente realizadas (21%), totalizando aproximadamente 28%.

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