Um exemplo bem-sucedido de transformação de um lugar de repressão em espaço de memória é o Memorial da Resistência, em São Paulo. Ele funciona no mesmo prédio onde, durante a ditadura, ficava o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS/SP), um dos órgãos mais ativos na perseguição de opositores. Hoje, o local abriga exposições, arquivos, documentos e ações educativas que ajudam a contar essa história para novas gerações. O Memorial é uma referência nacional nesse campo, por sua atuação comprometida com a memória, por sua potente interface educativa, e pela forma como envolve a sociedade no processo.

Outro exemplo importante é o esforço atual de transformar o antigo prédio do DOI-CODI/SP, também em São Paulo, em um centro de memória e direitos humanos. Ali funcionou um dos mais violentos centros de tortura do país. Recentemente, esse processo passou a incorporar inovações como a pesquisa arqueológica, que ajuda a identificar objetos, estruturas e vestígios físicos que reforçam as evidências históricas. A consolidação de um espaço memorialístico ali, junto com o Memorial da Luta pela Justiça — que funciona no mesmo conjunto do antigo prédio do II Exército — fortalece o reconhecimento de que o passado precisa ser lembrado para que não se repita.

Em outras partes do país, movimentos sociais, pesquisadores e órgãos públicos também vêm lutando para preservar espaços importantes, sobretudo para demonstrar o alcance da ditadura em todo o território. Em Porto Alegre (RS), há uma mobilização pela preservação do Dopinho, uma pequena unidade clandestina, nomeada dessa forma em alusão ao DOPS que funcionava na cidade. Em Petrópolis (RJ), a Casa da Morte — usada como centro clandestino para tortura e desaparecimento de presos políticos — vem conquistando avanços recentes no processo de transformação em memorial. Na cidade do Rio de Janeiro, o DOPS e o DOI-CODI enfrentam resistência, mas seguem no centro de reivindicações por preservação e acesso público. Este último, recentemente alcançou grande projeção em função da intensa repercussão alcançada com o premiado filme “Ainda Estou Aqui”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, que aborda a trajetória de Eunice Paiva e sua família em busca da verdade das circunstâncias do desaparecimento de seu marido, o ex-deputado Rubens Paiva. Rubens, Eunice e uma de suas filhas, Eliane Paiva, que na época tinha 15 anos, foram presos nas instalações do DOI-CODI do Rio de Janeiro, último lugar em que Rubens foi visto.

Na Bahia, o Forte do Barbalho, em Salvador, também é um símbolo da repressão militar, usado como prisão política. Em Marabá (PA), a Casa Azul ficou conhecida por ter sido um dos principais pontos da repressão contra camponeses e indígenas na região do Araguaia. Em ambos os casos, há pressões para que esses lugares sejam reconhecidos e transformados em espaços memorialísticos.

Mais recentemente, dois estados do Nordeste inauguraram importantes memoriais da democracia: a Paraíba e Pernambuco. Ambos surgiram a partir das recomendações das comissões estaduais da verdade, e hoje representam exemplos de como os estados e municípios também podem contribuir com políticas públicas de memória.

Em São Paulo, um marco simbólico importante foi o pioneiro tombamento do Arco de Pedra Remanescente do Presídio Tiradentes, em 1985, um dos poucos vestígios do antigo presídio que recebeu muitos presos políticos durante a ditadura. Esse gesto mostra que mesmo pequenos fragmentos podem carregar uma grande carga simbólica e histórica.

