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As políticas da moral e bons costumes contra LGBTs durante a ditadura

As políticas da moral e bons costumes contra LGBTs durante a ditadura

A formalização do termo “moral e bons costumes” foi a principal responsável, durante o contexto de 1964 a 1985, pelo tratamento de gays, lésbicas, bissexuais e travestis como doentes mentais, inimigos comunistas e um perigo à infância e ao casamento tradicional. Ela foi replicada tanto em decisões judiciais e manuais da censura quanto em decisões federais, estaduais e municipais.

Inúmeros casos mostram como a premissa do combate moral foi usada para a perseguição de LGBTs. Em 07/03/1969, sete diplomatas do Itamaraty e seis servidores do ministério foram afastados compulsoriamente por conta de sua “homossexualidade”, considerada, pelo documento que os afastou, como uma “incontinência pública escandalosa” (MOTTA).

Página selecionada do Relatório Secreto da CIS-69 (Comissão de Investigação Sumária, de 7 de março de 1969 Fonte: Brasil. Documento 57 - Arquivo CNV 00092.000000268/2015-54. Comissão Nacional da Verdade (2014)
Página selecionada do Relatório Secreto da CIS-69 (Comissão de Investigação Sumária, de 7 de março de 1969 Fonte: Brasil. Documento 57 – Arquivo CNV 00092.000000268/2015-54. Comissão Nacional da Verdade (2014)

No âmbito da vigilância da literatura, considerando todos os tipos de escritores, a autora lésbica Cassandra Rios foi a mais censurada: teve 36 dos seus 40 livros retirados de circulação pelo regime militar por abordar, em suas obras, a homossexualidade feminina. Apenas seu livro Eudemônia sofreu 16 processos (LONDERO).

Outros casos relevantes são os procedimentos jurídicos contra o jornalista Celso Curi, o jornal contracultural gay Lampião da Esquina e a IstoÉ. No final dos anos 1970, o Ministério da Justiça processou diretamente os três por “ofensa à moral e aos bons costumes” e “apologia ao homossexualismo”, mesmo que a homossexualidade nunca tivesse sido formalmente crime no país. Em decorrência dos processos, Celso Curi foi demitido, e o Lampião foi inserido na lista de um grupo paramilitar que bombardeava bancas de jornal.

Página da edição nº 0 do jornal Lampião da Esquina, publicação da imprensa alternativa voltada à população LGBTQIA+, em defesa de Celso Curi, alvo de perseguições homofóbicas no final dos anos 1970. O periódico rompeu o silêncio imposto pela ditadura sobre a diversidade sexual, denunciando a violência policial, a discriminação e a censura moral. Acervo: Centro de Documentação LGBTI+ Prof. Dr. Luiz Mott - Cedoc LGBTI+ | Grupo Dignidade,
Página da edição nº 0 do jornal Lampião da Esquina, publicação da imprensa alternativa voltada à população LGBTQIA+, em defesa de Celso Curi, alvo de perseguições homofóbicas no final dos anos 1970. O periódico rompeu o silêncio imposto pela ditadura sobre a diversidade sexual, denunciando a violência policial, a discriminação e a censura moral. Acervo: Centro de Documentação LGBTI+ Prof. Dr. Luiz Mott – Cedoc LGBTI+ | Grupo Dignidade,
Documento da Polícia Federal, datado de 11 de janeiro de 1979, que acusa a revista IstoÉ de fazer apologia ao homossexualismo, termo então usado de forma pejorativa pelas autoridades. O registro evidencia a vigilância moral e a censura direcionada à imprensa durante a ditadura militar, especialmente contra conteúdos ligados à diversidade sexual. Fonte: Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) – BR RJANRIO TT.0.MCP, PRO.1135.
Documento da Polícia Federal, datado de 11 de janeiro de 1979, que acusa a revista IstoÉ de fazer apologia ao homossexualismo, termo então usado de forma pejorativa pelas autoridades. O registro evidencia a vigilância moral e a censura direcionada à imprensa durante a ditadura militar, especialmente contra conteúdos ligados à diversidade sexual. Fonte: Arquivo Nacional (Rio de Janeiro) – BR RJANRIO TT.0.MCP, PRO.1135.

Paralelamente à censura literária e midiática, o aparato repressivo se voltava também contra a presença LGBT+ nos espaços urbanos. Em 1976, por exemplo, a polícia paulista realizou um estudo de criminologia forense específico sobre o comércio sexual de michês e travestis, mapeando os locais de sociabilidade homoerótica (OCANHA). A Polícia Militar reprimia esses locais durante “operações limpeza”, comumente respaldadas pela “Lei da Vadiagem”, a fim de proibir a circulação de LGBT+ nos centros das cidades.

Lei da Vadiagem

A Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei no 3.688, de 3 de outubro de 1941), conhecida como Lei da Vadiagem prendia indivíduos no centro da cidade que não tinham carteira assinada. A pena era de 15 a 30 dias e o indivíduo saía da delegacia com um ofício obrigando-o a conseguir emprego em até um mês. A lei foi historicamente utilizada principalmente para reprimir a cultura negra, a prostituição e locais da boemia homossexual.

OCANHA, R. F. As Rondas Policiais de Combate à homossexualidade na cidade de São Paulo (1976 – 1982). Em: GREEN, J. N.; QUINALHA, R. H. (Eds.). Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Carlos: EdUFSCar, 2014. p. 149–176.

LONDERO, R. R. Pornografia e censura: Adelaide Carraro, Cassandra Rios e o sistema literário brasileiro nos anos 1970. Londrina: Eduel, 2016.

MOTTA, M. “Sob o governo de gorilas”: a perseguição aos funcionários homossexuais do Ministério das Relações Exteriores em tempos de AI-5. Cadernos Pagu, n. 68, set. 2023.

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