A Comissão Nacional da Verdade, a partir da análise dos arquivos da ditadura (1964-1985) e das vozes de mulheres e homens que tiveram seus direitos violados, apresentou uma narrativa diferente da oficial sobre esse período da história brasileira. A CNV estabeleceu 13 grupos de trabalho para cumprir o objetivo de esclarecer fatos e circunstâncias, promover esclarecimento dos casos de tortura e de morte e, por fim, identificar e tornar públicas as estruturas que permitiram estas atrocidades. Um desses grupos, Ditadura e Gênero, se dedicou a identificar os diferentes impactos das praticas de repressão e tortura sobre homens e mulheres.
Os relatórios produzidos sobre as violações de direitos humanos durante os regimes autoritários na América Latina se dedicaram a denunciar o caráter político das violências praticadas. Nessa perspectiva, as vítimas eram apresentadas como um grande grupo homogêneo que não possuía gênero, raça, etnia ou orientação sexual. Ao nomear as mulheres que foram submetidas à prisão, tortura e assassinato, a CNV contribuiu para que as mulheres se tornassem parte da memória coletiva sobre a resistência, afirmando que participaram ativamente de movimentos, e que, ao desafiarem a ordem, também foram reprimidas pelo regime militar como mulheres.
As audiências públicas e relatórios produzidos pela CNV registraram as experiências de mulheres que não tiveram suas histórias contadas, seja pela narrativa oficial que não reconheceu as violações praticadas contra tantas mulheres, ou pela narrativa dos movimentos de resistência que, em geral, não deram a dimensão devida à atuação das mulheres.
Além da tortura propriamente dita, é importante considerar outros impactos que a repressão teve sobre a vida dessas mulheres. A solidão, o desemprego, o estigma, criar os filhos sem o pai que estava preso, morto ou desaparecido, proteger familiares que ignoravam a violência do regime, trazer e levar recados da prisão, enfrentar os agentes da repressão ao perguntar por seus parentes… Todas essas circunstâncias foram parte da luta de muitas mulheres diante do regime militar. Elas foram protagonistas na busca pela verdade ao procurar seus familiares vítimas da perseguição política e demandar apuração dos crimes da ditadura, e estiveram na linha de frente dos do movimento pela Anistia.
Lutaram como mães e esposas, como irmãs e avós, como guerrilheiras, trabalhadoras, estudantes, atrizes, enfermeiras, cozinheiras. Desafiaram a ditadura ao oferecer abrigo para perseguidos ao visitar seus companheiros ou mesmo ao pegar em armas. Os sofrimentos das mulheres narrados pela Comissão Nacional da Verdade são múltiplos como foram (e ainda são) múltiplas as suas formas de resistência frente ao autoritarismo.