As noções preconceituosas da ditadura civil-militar, influenciadas pelas diretrizes da moral e dos bons costumes e pelo contexto da AIDS nos anos 1980, impactaram diretamente na ausência de garantias explícitas dos direitos LGBT+ na Constituição Cidadã de 1988. No artigo 226 da CF, por exemplo, o documento restringe as noções de família à união apenas entre homem e mulher, aludindo a valores presentes desde a instauração do regime de 1964, que giram em torno da proteção da família nuclear tradicional.
Já o artigo 3º da Constituição hoje garante, em seu quarto inciso, a promoção do bem de todos, sem distinção de raça, sexo, credo, cor, idade, e ainda menciona “demais formas de discriminação”, em alusão a minorias como pessoas com deficiência e LGBT+, que ficaram de fora do documento. Nesse sentido, apesar das derrotas na Assembleia Nacional Constituinte, a luta do Movimento Homossexual Brasileiro dos anos 1970 e 1980 rendeu frutos, principalmente durante a decisão do Supremo Tribunal Federal que garantiu a união estável entre pessoas do mesmo gênero em 2011.
Na época, o ministro relator Ayres Britto, respaldando-se no artigo 3º, considerou que o artigo 226, que define as questões da família, era inconstitucional, uma vez que era discriminatório com pessoas LGBT+. A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 leva inclusive em consideração os debates sobre gênero e sexualidade que tiveram início com a atuação de João Antônio Mascarenhas na Assembleia Nacional Constituinte, servindo de embasamento para a decisão final do Judiciário.
Nesse sentido, compreender essas trajetórias é fundamental para reconhecer os impactos duradouros desse período sobre as vidas LGBT+ e reafirmar a importância da memória, da reparação e da defesa das liberdades democráticas no presente.